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#88 - Ibraim e Henrique, os Irmãos Necrófilos | SERIAL KILLER

Foto do escritor: Rodolfo BrennerRodolfo Brenner

O que acontece quando duas mentes perturbadas se unem para viver uma psicose? Foi o que aconteceu na cidade de Nova Friburgo na década de 90, quando dois irmãos passaram meses aterrorizando a população rural cometendo os piores crimes possíveis.


Essa é a versão escrita do episódio #88 - Ibraim e Henrique, os Irmãos Necrófilos.



O caso aconteceu em Nova Friburgo, que fica na região serrana do Rio de Janeiro. Segundo o censo de 2022, a cidade tem 189 mil habitantes e é um polo têxtil de moda praia e moda fitness. Era na região rural desta cidade que moravam os irmãos Ibraim e Henrique de Oliveira. Existem pouquíssimas informações sobre eles ou sobre a família deles antes do caso, mas o que se sabe é que eles eram filhos do casal Brás de Oliveira e Maria Luiza. Ibraim era o mais velho, seguido de Henrique e dois irmãos mais novos, Jailton e Márcia de Oliveira. Os pais eram lavradores e a família passava muita necessidade, sendo que nenhum dos filhos frequentou a escola ou aprendeu a ler e escrever, pois todos eram obrigados a trabalhar desde criança. Brás era alcoólatra e um homem muito violento, que constantemente batia nos filhos e na esposa.

Outro castigo que ele dava era obrigar os mais velhos a passar a noite dentro da mata sem comida ou abrigo. Essa mata era uma área de mais de 300 mil metros quadrados que ficava na divisa entre os municípios de Nova Friburgo, Sumidouro e Riograndina. Com o passar do tempo, esse local foi se tornando a casa de Ibraim e Henrique, já que eles passavam mais tempo ali do que em casa com a família.

À medida que foram crescendo, os moradores daquele local foram passando a temer os irmãos cada vez mais, tratando eles quase como uma entidade: diziam que eles se escondiam na mata e só saíam para cometer furtos, além de matar animais para praticar necrofilia com seus corpos.- Segundo o DSM V, a Necrofilia é um transtorno parafílico, ou seja, é um desejo sexual intenso e duradouro, com práticas consideradas anormais, perigosas ou que envolvem parceiros sem consentimento. No Brasil, segundo o Art. 212, é crime “praticar ato libidinoso, erótico ou relação sexual com cadáver”, com pena de um a três anos, e multa.


Nova Friburgo -- RJ


No dia 15/02/1991 aconteceu a primeira morte: Eliane Macedo Xavier, de 21 anos, que era moradora de Riograndina. Seu corpo foi encontrado uma semana depois, sem roupas e em avançado estado de decomposição. Segundo a perícia, a causa da morte teria sido estrangulamento com um arame e seu corpo tinha sofrido necrofilia.

Sete meses depois, no dia 11/09/1991, foi encontrado mais um corpo na mata: era de uma criança chamada Norma Claudia de Araújo, de 11 anos. Assim como Eliane, ela também estava sem roupas, com sinais de estrangulamento e de necrofilia. No mesmo dia, familiares da Norma apontaram para a polícia um suspeito: um homem chamado Antônio Carlos Laranjeiras, que segundo as matérias era namorado da Norma. Antônio chegou a ser investigado, mas tanto o caso da Norma quanto o caso da Eliane acabaram indo na direção dos irmãos Ibraim e Henrique.

Ao serem levados para a delegacia, Ibraim confessou o estupro e assassinato da Norma, mas negou o de Eliane e também inocentou o irmão de qualquer acusação. Ao ser perguntado sobre o motivo do crime, Ibraim disse que “não gostava de preto”. Vale ressaltar que tanto Eliane quanto Norma eram negras, assim como os irmãos, que também eram. Como Ibraim tinha apenas 16 anos na época, ele foi julgado como menor e ficou internado no Instituto Padre Rafael no Rio de Janeiro até completar 18 anos, quando foi liberado e voltou para Nova Friburgo.


Matéria de jornal relatando as mortes de Norma e Eliane


O caso de Norma e Eliane chamou certa atenção, pelo menos na região serrana do Rio. Antes dele ser solto, a mãe de Ibraim disse ao Jornal do Brasil que tinha medo do filho voltar, pois ele era violento e teria estuprado ela e a irmã mais nova em mais de uma ocasião. E não era só o Ibraim: Henrique também abusava da própria irmã, que segundo algumas fontes teria engravidado dele.- A volta de Ibraim era um evento temido, tanto pelos moradores de Nova Friburgo, quanto pelas pessoas que trabalhavam no Instituto Padre Rafael: uma assistente social chamada Rosa Maria de Oliveira Tostes disse em entrevista para o jornal A Voz da Serra: “Ele não é mais o mesmo, seu olhar é frio [...] Ele aprendeu o que não devia e vamos ter muita dor de cabeça”.

Os irmãos voltaram a atacar no final de 1994, quando Ibraim tinha 20 anos e Henrique tinha 19: o primeiro crime aconteceu com uma mulher chamada Carmen Augusto dos Santos, que sofreu uma tentativa de estupro em Bom Jardim, que ficava a 30 minutos de Nova Friburgo. Não se tem muitas informações sobre esse caso em específico, apenas se sabe que ela conseguiu fugir antes do ataque acontecer.

Em fevereiro de 1995, o casal Elizete Ferreira Lima e João Carlos Maria da Rocha estavam em uma cachoeira na região de Janela das Andorinhas, zona rural de Nova Friburgo, quando foram atacados por eles a pedradas. Elizete presenciou o marido morrer e ter seu corpo violado pelos irmãos. Após isso, ela foi arrastada para dentro da floresta e estuprada várias vezes. Mesmo assim ela lutou, conseguiu fugir, correr pela mata, pular um barranco de dois metros e gritar por ajuda, o que chamou a atenção de algumas pessoas que passavam por uma trilha. Ela estava nua e com cortes de canivete pelo corpo. Elizete foi levada para o hospital pelos locais e contou para a polícia que tinha sido atacada pelos irmãos. Ela também contou que, durante o ataque, Ibraim era o responsável pelas agressões enquanto Henrique pulava e comemorava enquanto segurava um livro com uma cruz preta estampada.


Única imagem conhecida dos irmãos juntos


A polícia foi até a casa da família Oliveira, mas os pais informaram que, desde que Ibraim tinha voltado, os dois viviam dentro da mata, dormindo em grutas e se alimentando de frutas e animais. Como a mata era muito extensa, era impossível fazer uma busca completa apenas com o efetivo da cidade, e foi prometido que mais policiais iriam ajudar nas buscas. Enquanto isso, os moradores passaram a se revezar e fazer buscas por conta própria. Eles chegaram a encontrar alguns pertences dos irmãos em uma caverna, mas Ibraim e Henrique seguiam foragidos. Pouco tempo depois, a família Oliveira teve que fugir da região pois a casa deles foi incendiada por moradores revoltados.

No dia 07/05/1995, houve uma tentativa de ataque ao agricultor Niltino de Souza, 66. Ele conseguiu fugir e prestar queixa no dia seguinte. No dia 01/04, houve mais um ataque fatal. A vítima foi Vera Lúcia Damasceno, que era tia dos irmãos. Além de ser morta a facadas, ela também foi vítima de necrofilia e teve um pedaço de tronco inserido na região genital. Alguns boatos na cidade diziam que Vera dava mantimentos para os irmãos e que eles até mesmo teriam se escondido em sua casa em mais de uma ocasião.

Foi a partir da morte de Vera que os cidadãos realmente ficaram assustados: as aulas foram suspensas na cidade, mulheres não andavam mais sozinhas e a população se armou como pode. Quem tinha armas de fogo não saía mais sem elas, e quem não tinha andava com facões e pedaços de pau. A polícia estadual estava sendo muito criticada pelo trabalho que vinha fazendo, muito por culpa do sucateamento que o estado do Rio de Janeiro sofria. Naquela época faltavam servidores, os salários estavam atrasados e não havia equipamento adequado para o trabalho, como rádios e roupas protetoras: segundo o que é relatado nas matérias, toda vez que os policiais saíam da mata eles estavam cobertos de carrapatos.

No dia 17/05, mais uma vítima: a lavradora Odete de Carvalho Silva, de 56 anos. Os irmãos entraram na casa achando que estava vazia, a princípio para roubar comida, mas acabaram dando de cara com ela. Odete então foi morta com golpes de foice e teve seu cadáver abusado. Quem encontrou o corpo foi seu marido, que prometeu vingança e chegou a entrar na mata atrás dos irmãos, mas sem sucesso. No dia 27/07, os irmãos invadiram a casa da aposentada Iria Moraes Ornelas, de 67 anos. Ela foi enforcada com a própria roupa e teve o corpo violado após a morte. Eles roubaram comida, medicamentos e levaram todas as roupas íntimas dela como um “prêmio”.


Reportagem sobre os irmãos pelo jornal A Voz da Serra


Atendendo a pedidos dos políticos da cidade, autoridades estaduais mandaram um efetivo do Batalhão de Operações Especiais – o BOPE – para ajudar nas buscas. A princípio os moradores gostaram da ideia, mas logo ficou claro que os métodos do BOPE não eram os mais adequados: primeiro, eles queriam que a população entregasse as armas para “evitar tragédias”, o que fez eles se sentirem ainda mais desprotegidos. Depois, eles começaram a interditar e destruir casas e barracos que tinham sido abandonados pelos moradores alegando que seria para evitar que os irmãos se escondessem, mas isso não fazia sentido porque Ibraim e Henrique se escondiam nas matas, e não em casas. Além disso, por mais que os moradores tivessem abandonado suas casas, todos pretendiam retornar quando os irmãos fossem presos. Para piorar ainda mais, começaram a correr relatos de truculência e racismo do BOPE com os moradores: sempre que dois homens negros eram avistados juntos, os policias agrediam primeiro e perguntavam depois.

As medidas que o BOPE fez realmente não deram resultado: Ibraim e Henrique continuavam saqueando os sítios e tentando atacar mais pessoas. Em agosto, eles atacaram a casa da estudante Márcia Cristina de Melo, de 15 anos. Na hora do ataque ela estava sozinha com a irmã mais nova e usou a arma do pai para atirar na direção dos irmãos. Ainda no mesmo mês, Ibraim foi baleado por um grupo de homens em patrulha, mas conseguiu fugir.

Por conta desse comportamento tão elusivo, muitos moradores começaram a dizer que Ibraim e Henrique não eram simples assassinos, mas que eles tinham o verdadeiro poder das trevas ao seu lado: lembram do livro que a Elizete – uma das sobreviventes – disse ter visto? Segundo os relatos, era possível que fosse o Livro de São Cipriano, que é conhecido por explicar uma série de rituais e mágicas obscuras.- Também dizia que eles tinham “corpo fechado”, e por isso, mesmo levando tiros, não morriam ou se machucavam; que eles só atacavam na lua cheia; conseguiam ficar invisíveis; e que as mortes seriam sacrifícios por conta de um pacto com o diabo.


O livro de São Cipriano


O último ataque aconteceu no dia 18/11: perto do meio-dia, os irmãos atacaram a dona de casa Maria Dorcileia Faltz, de 39 anos, na região da Janela das Andorinhas. Maria estava grávida de 7 meses e os seus gritos chamaram a atenção do seu filho, Adriano, de 9 anos. Ele correu para ajudar a mãe, mas foi agredido com um pedaço de pau até ficar inconsciente. Maria foi arrastada, asfixiada e teve o corpo violado. O marido dela, Izidio, chegou em casa no final da tarde e encontrou o filho agonizando no chão da cozinha. Ele saiu correndo com Adriano até o hospital, mas infelizmente o filho morreu no dia seguinte. O corpo de Maria só foi encontrado alguns dias depois.

Durante o velório de Maria Dorcileia, mais de duas mil pessoas protestaram e exigiram que alguém tomasse alguma medida efetiva. Foram deslocados mais de 200 policiais e cães farejadores, além de uma recompensa de R$ 5 mil, que hoje equivaleria a quase R$ 30 mil. Entretanto, os próprios moradores disseram que não queriam o dinheiro, queriam Ibraim e Henrique mortos.

Os policiais passaram quase 1 mês dentro da mata atrás dos irmãos, até o dia 16/12, quando o lavrador César de Araújo Pinto avisou a polícia que Ibraim estaria na região de Riograndina. A polícia se apressou e César entrou na mata com eles. O que aconteceu a seguir foi quase uma cena de filme: no meio da mata, enquanto os policiais se separavam, Ibraim se escondeu e estava pronto para atacar. Quando César passou próximo a ele, ele pulou para atacá-lo com uma faca, mas o subcomandante Fernando Martins foi mais rápido e deu cinco tiros nele. Mesmo baleado ele conseguiu fugir, só que dessa vez os ferimentos foram fatais e ele morreu horas depois.

A notícia da morte de Ibraim correu extremamente rápido e antes mesmo do corpo chegar ao IML, um grupo de 300 pessoas ameaçava botar fogo no carro da polícia ou invadir o necrotério para garantir que o corpo dele fosse esquartejado. Por conta disso, o corpo precisou ser levado para o IML de Itaboraí, onde a mãe dos irmãos fez o reconhecimento. Ninguém apareceu no seu sepultamento e ele foi enterrado como indigente.

O paradeiro de Henrique ainda era desconhecido, e a polícia tinha medo do que ia acontecer: por um lado, os sobreviventes e testemunhas disseram que era Ibraim que matava enquanto o irmão apenas assistia, por isso ele não oferecia perigo. Por outro, a polícia temia que ele tentasse vingar a morte do irmão. Felizmente não foi o que aconteceu: no dia 17/06/1996, a promotora Elizabeth de Lima Carneiro foi chamada na fazenda de um advogado local. Quando ela chegou lá, encontrou Henrique escondido: ele tinha pedido para chamá-la com medo de ser linchado pela população. Em troca, a promotora conseguiu levá-lo até o Rio de Janeiro e colocá-lo em uma cela especial.

O julgamento aconteceu no dia 01/11/2000: Henrique foi julgado apenas pela participação na morte do vigia João Carlos e da tentativa de assassinato de da sobrevivente Elizete. Nos outros casos não havia provas suficientes da sua participação.- A defesa pediu um laudo de sanidade mental na tentativa de Henrique ser considerado imputável, mas os os psiquiatras o consideraram elegível para a prisão. Por conta disso ele se declarou inocente de todas as acusações, afirmando que apenas acompanhou o irmão durante as mortes. O júri o considerou culpado e ele foi condenado a 34 anos de prisão.


Notícia sobre a prisão de Henrique


Mas por que Henrique acompanhava o irmão cometendo essas mortes absurdas? Segundo o psiquiatra forense Talvane de Moraes, a relação entre os irmãos era um caso de Folie à deux, que significa “loucura a dois”, cujo nome oficial segundo o DSM é “transtorno psicótico compartilhado”- Existe mais de uma classificação desse transtorno, mas o tipo mais comum e presente nesse caso envolve uma dupla, geralmente pessoas que crescem juntas e que interagem somente entre eles, se isolando do resto da sociedade. Um desses indivíduos é o dominante: é ele que apresenta sintomas psicóticos e vivencia toda essa ilusão que a doença causa.

O outro indivíduo é chamado de associado, alguém que é levado pelo dominante a acreditar em tudo aquilo e passa a acompanhá-lo. O dominante geralmente é alguém mais velho e autoritário, que sofre de uma doença psicótica prévia como esquizofrenia. Já o associado costuma ser alguém muito submisso, que apresenta facilidade em acreditar no que o outro diz por também apresentar um quadro psicológico que diminui as suas capacidades cognitivas, como a deficiência intelectual.

Em 2020 foi lançado um filme brasileiro baseado no caso, se chama “Macabro”, é estrelado pelo ator Renato Goés e dirigido por Marcos Prado, que é produtor de Tropa de Elite, Ônibus 174, Paraísos Artificiais e outros.


Poster do filme "Macabro"


• FONTES: Vice, BBC, Investigação Criminal, A Voz da Serra.

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