Em 1983, uma adolescente desaparece de forma misteriosa dentro do Vaticano. Muitas teorias surgiram, desde o envolvimento da Igreja Católica até a máfia italiana, porém, seu paradeiro permanece desconhecido.
Essa é a versão escrita do episódio #2 - Emanuela Orlandi:

O caso se passou no Vaticano, sede da Igreja Católica. O Vaticano é uma cidade-estado criada em 1929, com a assinatura do Tratado de Latrão. Esse acordo foi visto como uma forma de indenizar a igreja pelas terras que ela perdeu durante o processo de unificação italiana, quando diversos pequenos estados se uniram para virar o que hoje é a Itália.
A população do Vaticano é de pouco mais de 800 pessoas e a área do país é de 0,44 km², fazendo dele o menor território administrativo do mundo. O Vaticano não possui exército e nem partidos políticos, sendo o papa o chefe absoluto dos três poderes do local.
E era lá que morava Emanuela Orlandi, que na época dos fatos tinha 15 anos de idade. Filha de Maria e Ercole Orlandi, que era funcionário de confiança do Papa João Paulo II. Além de Emanuela, o casal tinha mais filhos.
A jovem frequentava o segundo ano do liceu científico em Roma, que é uma espécie de escola preparatória para o aluno entrar na universidade. Na época do caso o ano letivo já tinha terminado, porém a Emanuela fazia aulas de flauta em uma escola vinculada ao Pontifício Instituto de Música Sacra da Igreja.

Mapa do Vaticano
No dia 22 de junho de 1983, a Emanuela pediu para um dos seus irmãos acompanhar ela até a aula porque ela estava atrasada e havia o risco de acontecer uma greve do transporte público, porém o irmão tinha outro compromisso. Os dois discutiram e ela seguiu para a aula. Anos depois, Pietro, o irmão, disse “Já disse tantas vezes a mim mesmo que se ao menos eu a tivesse acompanhado talvez não tivesse acontecido”.
Depois da aula, a Emanuela ligou para casa e falou com uma de suas irmãs dizendo que ela tinha sido uma abordada por um homem que ofereceu trabalho de entregar panfletos durante um desfile de moda. A irmã sugeriu que ela primeiro conversasse sobre o assunto com os pais antes de tomar uma decisão.
Emanuela também contou da proposta para uma amiga, que acompanhou ela até o ponto de ônibus na frente do Senado da Itália. Alguns relatos dizem que ela entrou em uma BMW escura, sendo essa a última vez que ela foi vista.

Pietro Orlandi em entrevista para o Fantástico em 2019
Quando ela não chegou em casa, os pais ligaram para a escola onde ela tinha aula de flauta e para seus amigos, porém ninguém tinha notícias dela. Na noite do dia 22 a família foi até a polícia, que sugeriu que talvez ela tivesse com amigos.
Ela foi considerada oficialmente desaparecimento somente no outro dia. A notícia do desaparecimento chegou a ser publicada em alguns jornais de Roma com o telefone da família para entrar em contato se alguém tivesse informações sobre a Emanuela.
A primeira pista veio no dia 25, quando os Orlandi receberam um telefonema de um jovem que afirmava que ele e sua noiva encontraram Emanuela em uma praça a cerca de 2km do Vaticano. Ele disse que Emanuela se identificou como "Barbarella", estava carregando uma flauta, usando óculos e tinha cortado o cabelo. Ela também disse que tinha fugido de casa e que estava trabalhando vendendo produtos para a mesma companhia que o homem que ofereceu o emprego trabalhava. Alguns dias depois a família recebeu outro telefonema, dessa vez de um homem que se identificou como dono de um bar que ficava entre o Vaticano e a escola de música. Ele disse que uma garota chamada "Bárbara" foi até o local e teria dito que fugiu de casa, mas que voltaria para o casamento da irmã.
No dia 30 de junho, foram espalhados mais de 3 mil cartazes com fotos de Emanuela por toda a cidade de Roma, o que gerou uma enorme comoção nacional. Até mesmo o Papa João Paulo II pediu que os responsáveis pelo desaparecimento libertassem a garota.

A família Orlandi com o Papa João Paulo II
Em julho, veio o primeiro telefonema sério: um homem com sotaque estrangeiro disse que Emanuela estava sendo mantida prisioneira por um grupo terrorista, e que eles a libertariam em troca de Mehmet Ali Agca, e é agora que as coisas começam a se complicar: Mehmet foi o homem que atirou no Papa em maio de 1981, dois anos antes do desaparecimento.
Outras ligações foram feitas, e segundo algumas fontes, foi dito até mesmo que os dois homens que ligaram anteriormente para a família e que tinham informações sobre o paradeiro também faziam parte dessa organização.
No dia 6 de julho, um homem disse a um jornal sobre a troca entre Mehmet e Emanuela, e que era preciso que o próprio papa participasse. Segundo ele, no período de 20 dias, uma cesta iria aparecer em uma praça perto do Parlamento, contendo provas de que a garota estava de fato sendo mantida como prisioneira como uma fotocópia da carteira de estudante de música e um bilhete escrito à mão pela jovem, porém essa cesta nunca apareceu.
No dia 8 de julho, quem recebeu a ligação foi um dos colegas de classe da Emanuela. Segundo ele, um homem com sotaque do Oriente Médio disse que estava mantendo a jovem como refém, e exigia uma linha telefônica direta com o então Secretário de Estado do Vaticano Agostino Casaroli. A linha foi instalada 10 dias depois. No total foram feitas 16 ligações para essa linha, e a polícia conseguiu rastrear que todas foram feitas de telefones públicos diferentes.
A polícia não acreditava na hipótese do sequestro, porém não tinha muito material para trabalhar em outras linhas de investigação, já que os cardeais do Vaticano foram proibidos de comentar o caso, que ficou em investigação por 14 anos até ser encerrado em 1997 por falta de provas.

O Papa João Paulo II com Mehmet Ali Agca: ele perdoou o homem que tentou tirar sua vida
Em 2001, um padre encontrou um crânio humano sem mandíbula junto com uma bolsa que foi deixada por alguém dentro do confessionário de uma igreja perto do Vaticano. Exames foram feitos e ele não pertencia a Emanuela.
Em 2006, Mehmet confirmou o sequestro de Emanuela pelo grupo terrorista, e disse que ela não era a única: Mirella Gregori, uma menina que desapareceu no mesmo ano, também foi sequestrada. Segundo ele, ela estaria viva e morando em um mosteiro na Europa Central, provavelmente em Liechtenstein, um microestado da Europa Central que fica próximo da Áustria e da Suíça. Alguns anos depois, ele mudou sua versão, acusando a CIA de envolvimento no caso. Segundo ele “Ela nunca foi sequestrada, no sentido clássico do termo. Ela é vítima de uma intriga internacional por motivos religiosos-políticos relacionados também com o terceiro segredo de Fátima”. Os segredos de Fátima a que ele se refere são profecias ditas em uma suposta aparição de Nossa Senhora para três crianças em 1917.
Uma outra teoria sobre o desaparecimento surgiu em 2011, quando uma ligação anônima para uma rede de TV italiana disse que Emanuela estaria enterrada em uma igreja no centro de Roma, a mesma em que ela teria tocado flauta pela última vez antes de desaparecer. Escavações realmente encontraram um corpo no local, mas não era de Emanuela, e sim de um dos chefes da máfia italiana. A ligação do desaparecimento com a máfia já tinha sido feita antes por um homem chamado Antonio Mancini, ex membro de uma das gangues. Ele deu a entender que o sequestro da garota era uma represália contra o Banco do Vaticano, que teria pego grandes quantias de dinheiro por intermédio de um banqueiro ligado com a máfia. A namorada do chefe da máfia disse que o desaparecimento de Emanuela realmente estaria ligado com um grande esquema de corrupção envolvendo a máfia e o Vaticano. Entretanto, a polícia não conseguiu fazer uma conexão entre os casos e novamente ele foi arquivado.
Outra teoria foi levantada em 2012, quando o padre Gabriele Amorth, na época com 85 anos, alegou que a jovem foi sequestrada por um policial, levada a uma festa da embaixada (ele não disse de qual país), foi abusada e morta em seguida.
Em 2019, uma nova informação reabriu o caso: segundo uma fonte anônima, Emanuela estaria enterrada no túmulo da nobreza alemã no Vaticano, junto com a Princesa Sophie e a Duquesa Charlotte, ambas mortas no século XIX. Entretanto, quando abriram o túmulo, os peritos não encontraram nenhum osso, nem de Emanuela e nem das jovens da realeza. Atualmente existe uma investigação para tentar localizar os restos mortais de Sophie e Charlotte. A última pista do caso veio pouco tempo depois, quando foi encontrado um ossuário perto do túmulo recém-vasculhado. Uma equipe iria separar e identificar os ossos encontrados, porém não há notícias sobre algum resultado.

Trabalhadores no túmulo da Princesa Sophie
O pai de Emanuela morreu em 2004, porém seus irmãos e sua mãe nunca desistiram de procurar ela. Pietro, irmão da jovem, chegou a se encontrar com o Papa Francisco no início do seu pontificado, e o papa teria dito que Emanuela estaria no céu. Pietro disse em entrevista para o Fantástico “Emanuela é uma peça numa rede de chantagens que liga o estado, a igreja e a máfia, e que não permite que a verdade apareça”.
Em 2018, Maria Pezzano Orlandi, a mãe de Emanuela, publicou uma carta no jornal Corriere della Sera no dia do que seria o aniversário de 50 anos dela: "Temos procurado por você todos esses anos e continuaremos procurando. Nunca vamos parar. Nunca vamos desistir. Enquanto tivermos força, enquanto tivermos fôlego, enquanto tivermos vida, você sempre será nosso primeiro pensamento [...] a minha esperança, nunca dormente, é que quem sabe o que te tirou de casa possa ter um impulso de consciência e nos mostrar como te encontrar [...] saudações Lellè, feliz aniversário minha filha”.

Protesto realizado por amigos e familiares de Emanuela Orlandi
• FONTES: Blog di Emanuela Orlandi, Superinteressante, Wanted in Rome, Aventuras na História, Fantástico, ANSA Brasil, IstoÉ, Público, G1, Crux, Corriere Roma, HuffPost.
Boa tarde, lembro que esse caso chegou a passar no fantástico. Um caso envolvendo a igreja e a máfia italiana dificilmente vai ser solucionado, tem ainda mais uma hipótese que não pode ser descartada, a de que Emanuela tenha sofrido abusos sexuais por autoridades da igreja e que a máfia, a pedido da igreja, ajudou a encobrir o caso. As ligações de terroristas foram só uma tentativa de desviar o foco. Infelizmente, a não ser que haja uma forte pressão internacional para uma investigação mais séria, esse caso vai continuar sendo um mistério.