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#98 - Liana Friedenbach e Felipe Caffé | CRIMES REAIS

  • Foto do escritor: Rodolfo Brenner
    Rodolfo Brenner
  • 29 de jun.
  • 11 min de leitura

Um casal de classes diferentes resolve comemorar o namoro acampando, mas o que era para ser um encontro romântico se torna um pesadelo quando eles cruzam com um jovem violento e assassino.


Essa é a versão escrita do episódio #98 - Liana Friedenbach e Felipe Caffé.



Liana Bei Friedenbach nasceu no dia 06/05/1987. Ela era filha do casal Márcia e Ari Friedenbach e tinha um irmão mais novo chamado Ilan. Liana foi descrita como uma menina alegre, inteligente e muito bonita: ela era magra, tinha olhos azuis e cabelos castanho-claros. A família Friedenbach vivia em Higienópolis, um dos bairros classe A da cidade de São Paulo, ou seja, eles tinham uma excelente condição de vida. O pai, Ari, era muito apegado aos filhos, e mesmo em uma época em que os telefones celulares ainda cobravam caro por ligações, ele fazia questão de ligar para saber onde e com quem os filhos estavam.

Em agosto de 2003, Liana estava com 16 anos e foi estudar no Colégio São Luís, uma das escolas mais tradicionais e prestigiadas da cidade, por onde passaram políticos, empresários e celebridades, incluindo o deputado Eduardo Suplicy, o piloto Ayrton Senna e a atriz Maria Fernanda Cândido. E foi no colégio que Liana conheceu o jovem Felipe Silva Caffé, e em pouco tempo os dois se apaixonaram. Felipe nasceu no dia 01/07/1984 e era filho de Reinaldo e Lenice Caffé. Diferente da de Liana, a família Caffé era de uma classe trabalhadora, e Felipe estudava no Colégio São Luís por conta de uma bolsa de estudos. Ele era moreno, alto, forte, e segundo seus pais, era inteligente e engraçado, além de torcedor fanático do Corinthians. Na época do caso, Liana tinha 16 anos e cursava o 2º do EM, enquanto Felipe tinha 19 e estava terminando o 3º.


Liana, ainda criança, junto com seu pai, Ari


Para comemorar os dois meses de namoro, o casal teve a ideia de viajar para acampar em um sítio com alguns amigos do Felipe. Liana pediu para seus pais para ir nessa viagem, mas eles não deixaram. Nesse meio tempo, os amigos de Felipe também desistiram da viagem, e os dois decidiram ir sozinhos. Como os pais da Liana já tinham dado uma negativa para essa viagem, ela decidiu dizer que viajaria para Ilhabela com um grupo de amigos da Congregação Israelita Paulista, algo que ela já fazia com uma certa frequência e que seus pais não teriam problema. Felipe avisou aos pais que iria acampar, mas não disse que iria sozinho com a namorada.

No dia 31/10/2003, os dois ficaram no colégio até tarde e depois foram até o vão do MASP, onde passaram a noite. Na madrugada do dia 01/11, eles foram para a rodoviária e pegaram um ônibus até a cidade de Embu-Guaçu, que fica a sudoeste de São Paulo. Ao desembarcarem, eles compraram mantimentos em um mercadinho e pegaram uma van até a estrada Belvedere, que levava até o local do acampamento. Esse local se chamava Sítio do Lê, e tinha pertencido a um artista português que costumava ceder o local para jovens acamparem. Na época do caso o local estava abandonado, porque o antigo dono tinha sido ameaçado de morte pelos bandidos da região, ou seja, claramente não era um local seguro.

Naquela manhã, o pai da Liana ligou para a filha e ela atendeu. O pai estranhou que ela estava falando meio baixo e que tinha muito silêncio para um ônibus cheio de adolescentes, mas ela garantiu que estavam todos dormindo. Infelizmente, desde que chegaram na cidade, as malas com excesso de bagagem e roupas boas de Liana e Felipe chamaram a atenção de algumas pessoas, algo que selaria a vida deles para frente.


Sitio do Le, usualmente usado para jovens acamparem


A família Cardoso era composta pelo pai, Genésio, a mãe, Maria das Graças, e três filhos. O mais novo se chamava Roberto, mas todos chamavam ele de Champinha. O pai teve um derrame, precisou se aposentar por invalidez e acabou abandonando a família, e por isso todos os filhos tiveram que trabalhar para ajudar em casa: o irmão mais velho trabalhava em uma fábrica de instrumentos musicais, a irmã era balconista em uma loja de bolsas e o Champinha era ajudante de caseiro. Desde muito cedo o Champinha já era conhecido como um garoto problema, que bebia, fumava e arrumava brigas nos bares da região. Em uma dessas brigas, em 2001, ele deu duas facadas e acabou matando um homem quando ele tinha apenas 14 anos.

Na manhã do dia 01/11, Champinha, juntamente com um amigo chamado Paulo Marques – conhecido como Pernambuco – cruzaram com o jovem casal, e, pelas mochilas, concluíram que eles iriam acampar. Mais tarde eles foram beber na casa do Antônio Caetano Silva, um caseiro que tinha 50 anos, mas costumava andar com os rapazes mais novos da região. Depois de algumas doses de pinga, Champinha contou sua ideia para os amigos: eles iriam assaltar o casal.


A cidade de Embu-Guaçu


Quando a noite caiu, Champinha se aproximou da barraca e rasgou ela com um facão, enquanto Pernambuco apontava uma espingarda para o casal perguntando “Quem aqui é filhinho de papai?”. Os bandidos cobriram a cabeça da Liana e do Felipe com toalhas e levaram os dois até a casa do Antônio. Liana disse que sua família tinha dinheiro e que poderia pagar por um resgate. Quando perguntou sobre dinheiro para Felipe, ele disse que sua mãe estava desempregada no momento. Enquanto Felipe foi preso em um dos quartos, Liana foi levada para outro onde foi estuprada várias vezes.

Na manhã do dia 02/11, Pernambuco e Champinha levaram o casal para a mata e andaram com eles por mais de 1 hora: Pernambuco ia na frente com Felipe e Champinha ia com Liana atrás. Depois de um tempo, o adolescente ordenou que a jovem parasse enquanto os outros dois continuavam andando. Ao adentrarem mais um pouco na mata, Pernambuco deu um tiro de espingarda na nuca do Felipe, que morreu na hora. Liana perguntou sobre o barulho do disparo e Champinha garantiu que Felipe tinha sido liberado. Após isso, ele voltou com a Liana para a casa do Antônio.


Matéria de jornal sobre a descoberta do corpo de Felipe


Na noite de sábado, Ari tentou ligar para a filha várias vezes, mas o telefone sempre dava fora de área. Era estranho, mas se ainda hoje existem lugares sem sinal, imaginem em 2003. O pai da Liana continuou tentando falar com ela no domingo, mas novamente sem sucesso. Ele ficou muito apreensivo, mas decidiu não contar para a esposa. Lembram que a Liana disse para o pai que tinha ido viajar com amigos da Congregação Israelita Paulista? No fim da noite, Ari foi até o ponto de desembarque dos ônibus da Congregação, algo que ele sempre fazia quando Liana viajava, só que, ao chegar ao local, viu que ele era o único esperando.

Ari voltou para casa e ligou para a melhor amiga de Liana, e a amiga contou que ela tinha ido acampar com o Felipe. Ari pegou a agenda da Liana e achou o telefone e o endereço do Felipe. Ele então pegou o carro e foi até a casa da família Caffé, que ficava no bairro da Saúde, centro-sul da cidade. Os pais do Felipe contaram sobre o acampamento em Embu-Guaçu, mas disseram que existia a possibilidade do casal ter perdido o último ônibus e voltariam no dia seguinte.

Mesmo com essa informação, Ari, acompanhado de um amigo, seguiu até a cidade de Embu-Guaçu e procurou pela cidade até as 3 da manhã. Após isso, ele voltou para São Paulo e registrou um boletim de desaparecimento de Liana. Quando ficou sabendo disso, Ilan, irmão de Liana, contou ao pai que a irmã tinha falado do acampamento e prometido ligar para ele quando pudesse. Ilan chorou e o pai o consolou. Enquanto isso, Liana ainda estava presa no barraco que pertencia ao Antônio. Paulo Marques, o Pernambuco, tinha fugido para a cidade de Petrolina após o assassinato do Felipe, deixando outro homem no seu lugar: Agnaldo Pires, que se juntou ao grupo e também cometeu abusos contra a Liana. Segundo o que os criminosos disseram posteriormente, após ter certeza da morte do Felipe, Liana não disse mais nenhuma palavra.


Reportagem do Domingo Espetacular que mostra o cativeiro onde Liana foi mantida


Na terça-feira, dia 04/11, Champinha, Pernambuco e Agnaldo saíram da casa do Antônio e foram até a casa de outro conhecido, que também se chamava Antônio, Antônio Matias de Barros. Champinha apresentou Liana como sua namorada, e ela continuava sem expressar nenhuma reação. Nesse meio tempo, o grupo decidiu pescar: Champinha colocou um moletom largo na jovem e ficou do lado dela por mais de 4 horas.

Enquanto isso, a família do Champinha recebeu uma intimação para que ele comparecesse à delegacia para falar sobre o desaparecimento do casal. O irmão mais velho do adolescente foi até a casa de Matias e avisou Champinha. Ele inclusive viu Liana e perguntou quem era, e Champinha reafirmou ser a sua namorada. O grupo decidiu voltar para a casa do Antônio, onde chegaram por volta das 5 da manhã. Champinha chamou Liana e disse que iria levá-la até o ponto de ônibus mais próximo, mas ao invés de seguir rumo a estrada, levou ela 3 quilômetros para dentro da mata. Quando passaram por um rio, Champinha atacou Liana com um facão gritando que ela iria morrer. Ela levou mais de 15 facadas, uma delas foi tão forte que causou traumatismo craniano, e essa foi a causa da morte da jovem. Ele também mutilou parte do seio da Liana.

Após isso, ele lavou o facão no rio e foi em direção à própria casa. Lá ele tirou a roupa ensanguentada e escondeu dentro de um poço junto com a arma do crime. Depois de tirar um cochilo, Champinha se apresentou na delegacia de Embu-Guaçu para prestar depoimento e foi liberado.


Local onde o corpo de Liana foi encontrado


Ari, juntamente com um amigo, voltou para Embu-Guaçu no outro dia e conseguiu localizar o motorista da van que levou o casal até a estrada. O motorista contou que tinha achado estranho uma menina como a Liana, bonita e bem vestida, estar ali e perguntou para onde ela ia, mas o Felipe acabou desconversando. O pai e o amigo acabaram chegando no sítio abandonado e encontraram a barraca rasgada e um chinelo que ele reconheceu como sendo da Liana. A polícia foi chamada e percebeu que todos os pertences da Liana e do Felipe ainda estavam lá dentro, o que já descartou uma teoria de que o casal tinha fugido. Um dos policiais locais chamou Ari para uma nova ronda pelo local e disse para ele: “isso é coisa de Champinha”.

Como Ari era um advogado com certa influência, ele usou isso a seu favor e passou a contatar toda e qualquer pessoa que pudesse ajudar a achar a sua filha. Três equipes do COE (Comando de Operações Especiais), da Polícia Militar começaram as buscas oficiais, além de duas equipes com cães farejadores. Um dos membros do COE era irmão do Felipe. Além disso, Ari contratou um helicóptero para jogar mais de 10 mil panfletos com a foto da Liana pela região, na expectativa que que tivesse visto ela entrasse em contato. Procurando por respostas, a polícia chegou até o barraco do Antônio Caetano. Quando foi perguntado sobre o casal de namorados, ele não pensou duas vezes e acusou Champinha de ter matado Liana e Felipe.

A polícia localizou Champinha na casa de uma tia em Itapecerica da Serra e ele foi conduzido para um novo interrogatório, no qual ele confessou a morte do Felipe, mas garantiu que a Liana ainda estava viva. O delegado Silvio Balangio Jr. pressionou para saber onde a jovem estava, e foi aí que Champinha confessou o restante do crime. Silvio disse que Champinha era tão frio que ele mesmo chegou a ficar chocado com a naturalidade que o jovem falava fos assassinatos. Ari estava na delegacia de Embu-Guaçu quando um colega que o acompanhava deu a notícia de que tinham achado o corpo da Liana. Ele caiu no chão e chorou por vários minutos, até ter coragem de ligar para casa e informar os outros membros da família. Os corpos de Liana Friedenbach e Felipe Caffé foram enterrados no dia 11/11. Felipe foi enterrado no no cemitério da Vila Alpina e Liana no cemitério Israelita do Butantã.


Ari chora a morte de Liana


Enquanto isso, Embu-Guaçu estava vivendo momentos de tensão: a população cercou a delegacia onde Champinha estava preso e tentou invadir o local. A polícia precisou intervir e até bombas foram usadas enquanto o adolescente foi retirado pelos fundos. Em 8 dias a polícia conseguiu prender todos os acusados, inclusive o Pernambuco, e concluir o inquérito.

Os julgamentos começaram em 2006 e 5 pessoas foram acusadas do crime: Antônio Caetano da Silva recebeu a maior pena – 124 anos – por estupro, cárcere privado e ajuda no assassinato. Agnaldo Pires foi sentenciado a 47 anos e três meses de reclusão por estupro. Antônio Matias de Barros, foi condenado a seis anos de prisão por posse de arma, favorecimento pessoal e cárcere privado. Em 2007 ocorreu o julgamento do Paulo César da Silva Marques, o “Pernambuco”. Ele foi condenado a 110 anos de prisão por homicidio qualificado, sequestro e cárcere privado. Já o Roberto Aparecido Alves Cardoso, o Champinha; foi um caso à parte: na época do crime ele tinha apenas 16 anos, e foi encaminhado à Fundação do Bem-Estar do Menor, a FEBEM, para cumprir pena por ato infracional análogo ao homicídio, com um prazo máximo de 3 anos de detenção. Ele chegou a fugir do local, mas foi recapturado no mesmo dia.


Á frente, da esquerda para à direita: Antônio Caetano da Silva, Agnaldo Pires,

Paulo César da Silva Marques e Antônio Matias de Barros


Na mesma época dos julgamentos, o pai da Liana começou uma campanha pela redução da maioridade penal em casos de crimes graves, como homicídio. Ele até chegou a se candidatar a deputado federal, e apesar de não ter se elegido, chamou a atenção de magistrados, jornalistas e de parte da população, que passaram a pressionar o governo do estado para não liberar Champinha sob a alegação de que ele representava um perigo para a sociedade. Com base nisso, o promotor do Departamento de Execução da Infância e Juventude, Wilson Ricardo Coelho Tafner, pediu a suspensão do prazo de internação junto com uma interdição cível, o que mudou o status do Champinha de assassino para “doente mental”.

Na teoria isso enviaria ele para o chamado manicômio judiciário, mas na prática a instituição não poderia recebê-lo, já que ele nem sequer tinha sido julgado por ser menor na época. Por conta dessa gambiarra jurídica, foi necessário a criação da Unidade Experimental de Saúde, a UES, que inclusive é onde Champinha está até hoje. Desde que foi preso, Champinha passou por avaliações psiquiátricas e recebeu os diagnósticos de Transtorno de Personalidade Antissocial e de Deficiência Intelectual. Segundo um laudo feito em 2020, Champinha apresentava alta impulsividade, promovia brigas entre os detentos e se vangloriava dos assassinatos.


Roberto Aparecido Alves Cardoso, o Champinha


Ari Friedenbach disse em entrevista que a morte da Liana abalou todo mundo que se relacionava com ela: uma amiga próxima da jovem tentou suicídio, o avô paterno dela morreu apenas 3 meses depois e o casamento do Ari com Márcia acabou. Pouco tempo depois, Ari recebeu uma correspondência da Fuvest informando que ela passou no vestibular, mesmo com apenas 16 anos. Ari Friedenbach se manteve ativo e até hoje luta pelos ideais que acredita. Ele já disse em várias entrevistas que não é a favor da redução da maioridade penal como um todo, apenas da emancipação do menor que comete crime hediondo, ou seja, ele seria julgado como um adulto.

Quanto ao Chaminha, ele continua preso na UES em uma unidade com sala, quarto e cozinha privativa. Ele passa os dias jogando videogame ou futebol com outros internos. As últimas notícias sobre ele são de 2023, quando foi criado um comitê para decidir qual tratamento médico e psicossocial seria dado aos internos e se era possível que eles fossem transferidos para o Hospital de Custódia de Taubaté. Só que mais um problema surgiu: ainda em 2023, o Conselho Nacional de Justiça, com base na resolução da reforma psiquiátrica, determinou o fechamento de todos os hospitais e alas de custódia. Alguns estados conseguiram liminares para garantir o funcionamento por mais tempo, porém, se esse local não existir mais, não tem para onde ele ser transferido.


Champinha continua internado na UES


• FONTES: Folha de S.Paulo, Revista Piauí, UOL, G1, Investigação Criminal, TJSP.

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