top of page
  • Foto do escritorRodolfo Brenner

#70 - Johnny Gosch e Eugene Martin | DESAPARECIDOS

Na década de 80, dois garotos desaparecem de forma misteriosa. Em comum eles tinham idades próximas, moravam na mesma cidade e tinham a mesma profissão: entregador de jornais. Seriam casos isolados ou existe uma grande conspiração por trás disso?


Essa é a versão escrita do episódio #70 - Johnny Gosch e Eugene Martin:



John David Gosch nasceu em 12/11/1969 em Des Moines, capital do estado de Iowa. Ele era filho de John e Noreen Gosch, ele era veterano da marinha e ela era instrutora de ioga. Antes de se casar com John, Noreen já tinha tido experiências bastante traumáticas: ela ficou viúva muito cedo quando o seu marido teve câncer antes dos 30 anos. Pouco tempo depois, ela e seus dois filhos do primeiro casamento quase morreram durante a passagem de um tornado. Anos depois, por incentivo das amigas, ela voltou a sair e acabou conhecendo John, eles logo se casaram e ela ficou grávida. John ganhou o mesmo nome do pai, mas todos o chamavam de Johnny.

Johnny tinha cabelos castanhos claros, olhos azuis e várias sardas no rosto. Ele também tinha um espaço entre os dentes da frente bem característico, além de uma marca de nascença na parte esquerda do rosto. Johnny gostava muito de andar de bicicleta e também passava muito tempo com sua cachorrinha, uma dachshund que praticamente cresceu junto com ele. Aos domingos, Johnny acordava cedo e entregava jornais juntamente com o seu pai. A mãe descreve ele como um “pequeno homem de negócios”, porque ele juntava o dinheiro que ganhava e sempre conseguia comprar o que queria. Na época do caso Johnny estava com 12 anos.


Johnny Gosch com sua bolsa de jornais


Por volta das 5h45 do dia 05/09/1982, Johnny saiu de casa para entregar os jornais na rota que ele fazia na cidade vizinha de West Des Moies. Seu pai sempre o acompanhava nas entregas, mas naquele dia ele não pode ir, e Johnny acabou indo sozinho, acompanhado apenas da sua cachorra e de uma carroça de madeira que ele levava os jornais, além de outros dois entregadores que estavam entregando na mesma rota.

Perto das 7h45, os Gosch estranharam quando a cachorra de Johnny, que sempre estava com ele, voltou pra casa sozinha. Próximo desse horário, John recebeu uma ligação avisando que os jornais não tinham sido entregues. Ele então decidiu ir de carro até a rota para ver o que tinha acontecido e encontrou apenas o carrinho de Johnny, mas nenhum sinal dele. Ele avisou a esposa que imediatamente ligou para a polícia. Inicialmente a polícia tratou o caso como uma fuga, embora os pais de Johnny tenham deixado claro que ele não tinha nenhum histórico ou motivo para fugir. Uma testemunha chamada John Rossi disse ter visto Johnny conversando com alguém dentro de um Ford Fairmont azul que estava parado na 43nd Street.

Existem algumas pequenas variações no que exatamente aconteceu, mas segundo o que foi dito pelas testemunhas, pela mãe e o que consta no relatório policial, após conversar com Johnny, o motorista ligou o carro e acendeu a luz interna três vezes. Nesse momento, outro homem saiu de trás de algumas árvores que ficavam entre duas casas e começou a seguir Johnny. Os dois entregadores que faziam a mesma rota seguiram para outro lado, e, após um tempo, eles e alguns vizinhos ouviram um carro saindo em disparada.


John e Noreen seguram cartaz com a foto de Johnny


Assim que tomaram conhecimento do possível sequestro, a mídia começou a cobrir o caso intensamente. Um dos veículos que mais noticiou o desaparecimento foi o jornal Des Moines Register, que lançava notícias diárias sobre o assunto. A polícia vasculhou todo o local que Johnny sumiu, entrevistou e reentrevistou todas as testemunhas, procurou por registros de carros e fez um retrato falado do motorista com base no que as testemunhas disseram, mas não conseguiram encontrar nada concreto para seguir. Após alguns dias de investigação, John e Noreen começaram a criticar publicamente a postura das autoridades: em um dos casos relatados, John disse que encontrou um policial perto da sua casa, sentado dentro do carro com uma arma em punho, vigiando sua residência. John teria dito a ele “guarde essa arma e vá procurar o meu filho”.

A demora no caso seria por causa de uma burocracia: naquela época, uma lei estadual só permitia que uma criança fosse considerada oficialmente desaparecida após 72 horas, antes disso, tudo era creditado como fuga voluntária. O próprio chefe da polícia não considerava que aquilo era um crime e se recusava a chamar o FBI para ajudar. Enquanto as autoridades esperavam, centenas de voluntários passaram a procurar por algum sinal de Johnny por toda West Des Moines. Uma vidente teria dito que o garoto já estava sem vida e que o corpo dele estaria próximo de um rio. Esses voluntários vasculharam ao redor de vários rios e lagos da região, mas nada foi encontrado.


Reportagem do jornal mostrando as buscas por Johnny Gosch


Quando o caso esfriou, os jornalistas mudaram de foco: ao invés de procurar por Johnny, o que chamava a atenção eram as brigas entre as autoridades e os pais dele, principalmente a Noreen. Orval Cooney, um dos chefes da polícia na época, chegou a dizer que não se importava com o que ela falava ou pensava. Cooney acabou se afastando do cargo após uma apuração por parte do Des Moines Tribune, que registrou queixas de 18 oficiais da polícia contra ele por trabalhar embriagado, proferir ofensas raciais e até interferir na investigação de um caso contra um dos seus filhos.

Algum tempo depois, um homem chamado Ken Wooden procurou os Gosch para falar sobre novas teorias. Para ele, que estava se especializando em investigar casos de pedofilia, Johnny teria sido vítima de tráfico humano. É importante salientar que, naquela época, não existiam divisões específicas das autoridades para esses casos, e por incrível que pareça, muitas pessoas não sabiam nem o que "pedofilia" significava. Através da intervenção de Ken, essa abordagem do caso passou a ficar muito mais evidente na mídia. Com a divulgação, começou também um medo de que o mesmo acontecesse com outras crianças: segundo o que disseram as pessoas da época, as mães passaram a proibir que os filhos brincassem na rua ou conversassem com estranhos. Infelizmente, isso não foi o suficiente para que outra criança desaparecesse.


Retrato falado dos homens que supostamente sequestraram Johnny naquela manhã


Eugene Wade Martin nasceu no dia 17/08/1970, também em Des Moies. Ele era filho mais novo de Donald e Janice Martin, que se separaram algum tempo depois que ele nasceu. O apelido de Eugene era Gene e ele gostava muito de assistir televisão e andar de skate. Assim como Johnny, Eugene trabalhava entregando jornais no final de semana. Ele era branco e tinha cabelos e olhos castanhos.

No dia 12/08/1984, Eugene se preparava para entregar os jornais como fazia sempre. Seu irmão mais velho sempre o acompanhava, mas naquele final de semana ele tinha dormido na casa de um amigo e não apareceu a tempo, e Eugene decidiu entregar os jornais sozinho. Uma testemunha que estava saindo de carro reportou ter visto o garoto perto das 5h da manhã sentado em uma esquina com a bolsa de jornais ainda vazia. Pouco depois das 6h da manhã, Paul Porter, que trabalhava como gerente de rotas do jornal que Eugene entregava, encontrou sua bolsa com os jornais enrolados prontos para a entrega, mas nenhum sinal do garoto. Pouco tempo depois, Paul recebeu ligações avisando que o jornal não tinha sido entregue. Ele ficou preocupado e ligou para o pai de Eugene para saber informações sobre onde o garoto estava, mas o pai tinha acabado de acordar e nem tinha visto o momento em que o filho saiu de casa.

O pai e o irmão de Eugene saíram para procurá-lo, mas não encontraram. Com medo, Donald ligou para a polícia e reportou o desaparecimento do filho. Diferente do que aconteceu com Johnny Gosch, a polícia rapidamente passou a procurar Eugene após notar a similaridade entre os casos. Além de colocar seis unidades táticas na procura, as autoridades de Des Moies chamaram o FBI e conseguiram convocar diversos voluntários para procurar, principalmente na parte sudeste da cidade, onde a sua bolsa estava. O jornal que ele trabalhava, o The Register, ofereceu uma recompensa de $5 mil dólares por informações que levassem ao paradeiro de Eugene, valor que aumentou para $25 mil no outro dia.


Eugene Martin


A polícia bateu de porta em porta para interrogar possíveis testemunhas do desaparecimento. Uma pessoa confirmou que viu Eugene parado na esquina e o carro do seu vizinho – a primeira testemunha – passando por ele, mas nada de anormal. Outra testemunha disse ter visto um carro verde e em péssimo estado andando de forma suspeita nas ruas próximas de onde Eugene foi visto pela última vez. O motorista desse carro estaria na casa dos 30 anos, seria branco e com barba. Pouco tempo depois, outra testemunha disse ter visto Eugene conversando com um homem entre 5h15 e 5h45 da manhã: segundo ele, esse homem seria branco, alto, cabelo médio e sem barba. Outras testemunhas disseram que também viram o garoto conversando com esse homem, embora as descrições tenham sido bastante vagas segundo as reportagens da época.

As notícias sobre Eugene Martin se espalharam rapidamente, assim como a especulação de que o caso estaria conectado com o desaparecimento de Johnny Gosch. John e Noreen se solidarizaram com a família Martin e disseram que fariam o possível para ajudá-los. Alguns dias depois do desaparecimento, a polícia conseguiu localizar o motorista do carro verde que foi visto naquele dia. Ele foi interrogado e disse que estava na área apenas deixando sua esposa no trabalho. A esposa confirmou a história e o motorista foi retirado da lista de suspeitos.

O sequestro de uma nova criança chamou a atenção do governador de Iowa, que se encontrou com os pais de Eugene e se solidarizou com o caso. Foram feitas buscas estaduais, inclusive com patrulhas aéreas, mas nada foi encontrado. Alguns dias após o desaparecimento, era o dia do aniversário de Eugene. Segundo reportagens da época, sua família guardou um bolo inteiro e disse que o primeiro pedaço seria dele. A busca com voluntários durou até o dia 28 de agosto, enquanto a recompensa passou dos $100 mil dólares, mas ninguém entrou em contato.


O detetive James Rowley com o pôster informando o desaparecimento de Eugene Martin


No dia 29/03/1986 – um dia antes da Páscoa – Marc Allen, de 13 anos, disse à mãe que iria até a casa de um amigo que ficava na mesma rua, mas ele nunca chegou ao seu destino. Apesar de algumas similaridades com Johnny e Eugene, Marc não era entregador de jornal e desapareceu em outras circunstâncias. Além disso, ele tinha uma história de vida bem diferente dos dois garotos: segundo sua mãe, Nancy, Marc era uma criança complicada que já tinha se envolvido em vários problemas, tanto em Iowa quanto na casa do pai dele em Minnesota.

Infelizmente a mãe só se deu conta que tinha algo errado no outro dia, quando percebeu que Marc não tinha voltado para casa. Como era Páscoa, ela achou que o garoto tinha ido até a casa da avó, mas após confirmar com ela que ele não esteve lá, Nancy ligou para todos os amigos do filho, e para o seu desespero, ficou sabendo que ele nem ao menos tinha saído com eles no dia anterior. Nancy rapidamente contatou a polícia, que informou que não poderia fazer nada antes das 48 horas. Quando ela finalmente conseguiu registrar o desaparecimento, ele foi tratado como uma possível fuga. Foram feitas buscas em Iowa, Minnesota e em outros estados em que o garoto tinha parentes, mas nada foi encontrado.


Marc Allen


Em 1983, uma mulher em Tulsa, Oklahoma, disse que estava em um local público quando foi abordada por um garoto que disse "Por favor, senhora, me ajude, meu nome é John David Gosch". Antes que ela pudesse reagir, dois homens levaram o menino para longe. Dois anos depois, em julho de 1985, uma mulher em Sioux City, Iowa, notou que uma nota de um dólar que ela recebeu de troco no mercado tinha uma mensagem escrito "Estou vivo" e a assinatura de Johnny Gosch. Segundo reportagens da época, os pais confirmaram que a caligrafia era do filho. Além deles, três analistas de caligrafia também teriam feito a confirmação. Apesar disso, não foi possível fazer um rastreamento da origem da nota.

Ainda em 1985, Noreen recebeu uma carta assinada por Samuel F. Dakota, de Saginaw, Michigan. Na carta ele afirmava que era guarda de um clube de motoqueiros que funcionava como fachada para uma rede de pedofilia infantil e que Johnny teria sido levado para lá em 1982 e posteriormente vendido para um traficante mexicano. Samuel pediu $11 mil pela informação e mais $100 mil para que ele ajudasse a devolver o garoto. Noreen entregou a carta para o FBI, que conseguiu rastrear o remetente como Robert Herman Meier II, que acabou preso e acusado de fraude. Na época, o casal chegou a pedir para que o FBI não prendesse Robert, porque isso diminuiria as tentativas de possíveis sequestradores entrarem em contato.

Em 1988, o caso de Johnny Gosch foi o primeiro a usar a tecnologia de envelhecimento de fotos para fazer uma progressão de idade de como ele estaria com 18 anos. Na época, os desenhos ainda eram feitos a mão. Em 1989, Paul Bonacci, de 21 anos, que estava preso, disse ter sido obrigado a participar do sequestro de Johnny. Segundo Noreen, Paul sabia detalhes da vida de Johnny que nunca tinham sido divulgados, como uma cicatriz de queimadura na perna e uma gagueira que ele tinha quando ficava bravo.

As informações trazidas por Paul foram checadas pela polícia de Des Moines e pelo FBI, que não acreditaram nos relatos e não fizeram nenhuma entrevista com ele. Os irmãos de Paul foram interrogados e disseram que o relato era impossível porque, no dia em que Johnny Gosch desapareceu, Paul estava em casa com eles. Em 1990, John e Noreen se divorciaram. Segundo o que foi apurado na época, além do desgaste emocional, os dois tinham opiniões diferentes sobre cursos que o caso tinha tomado.


Reportagem sobre a prisão de Robert Herman Meier II


Em março de 1997, Noreen foi acordada com batidas na sua porta por volta das 2h30. Segundo ela, parados do lado de fora, haviam dois homens: um deles disse que era Johnny Gosch, agora com 27 anos. Ele teria mostrado uma marca de nascença no peito e a mãe teria reconhecido ele como o seu filho. Johnny estava com o cabelo comprido e pintado de preto. Segundo Noreen, eles conversaram por mais de uma hora, mas o filho não disse onde esteva e quem era o homem que o acompanhava. Do evento ela escreveu um livro chamado “Why Johnny Can't Come Home”, que aprofunda ainda mais a teoria de que Johnny foi sequestrado por uma rede de pedofilia. Nunca houve testemunhas ou comprovação desse encontro e a polícia disse que diversos detalhes da história não batiam. O pai de Johnny também disse não acreditar no relato da ex-esposa.


Capa do livro "Why Johnny Can't Come Home"

Em 01/09/2006, Noreen encontrou um envelope na sua porta: dentro, haviam fotos que mostravam três garotos amarrados e amordaçados. Um desses meninos seria Johnny Gosch, que foi reconhecido pela mãe por uma marca no ombro. Noreen disse que essas fotos teriam sido baixadas de um site de pornografia infantil, apesar de nunca ter revelado como chegou nessa afirmação. Alguns dias depois, uma carta anônima foi enviada à polícia de Des Moines contando que, na realidade, os 3 meninos que aparecem nas fotos seriam de Tampa, na Flórida, e que a pose era para um concurso. As fotos foram analisadas pelo Gabinete do Xerife do Condado de Hillsborough, que teria confirmado a história com o detetive responsável na época.


Foto recebida por Noreen e que supostamente mostraria Johnny


Apesar de toda a conjuntura, os casos de Johnny Gosch e Eugene Martin nunca foram oficialmente ligados, assim como o caso de Marc Allen. Os três continuam listados como desaparecidos pelo estado de Iowa. No especial “Searching for Johnny: 40 Years Later”, o Sargento Jason Heintz, da polícia de West Des Moines, afirmou que o caso de Johnny Gosch continua sob investigação.

Em 1982, no mesmo ano do desaparecimento, Noreen criou a Fundação Johnny Gosch, advogando pela causa das crianças desaparecidas e viajando pelos Estados Unidos dando palestras sobre segurança infantil. Anos depois ela também ajudou a aprovar uma lei estadual que exigia resposta policial imediata em casos de crianças desaparecidas. Noreen também foi a responsável pela criação do Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas, tendo sido convidada para falar na Casa Branca durante a inauguração.

Um dos maiores legados do caso de Johnny Gosch foi ter popularizado a inserção da foto de crianças desaparecidas em caixas de leite, que eram distribuídas por todo o país e ajudavam a divulgar as informações sobre elas. Quanto aos pais de Johnny, eles continuam vivos e lutam até hoje para encontrar alguma resposta do que aconteceu com o filho.


Caixas de leite estampadas com fotos e informações de crianças desaparecidas


• FONTES: Who Took Johnny, Iowa Cold Cases, The Charley Project, Trace Evidence Podcast, All That's Interesting, KCCI, UPI News.

280 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page