Em 1998, um garotinho vai andar de bicicleta depois do almoço e não retorna para casa. Uma investigação que se inicia com a busca de um menino perdido em Portugal recebe provas que o encaixam como vítima de uma rede internacional de pedofilia.
Essa é a versão escrita do episódio #45 - Rui Pedro - Mistério em Portugal:

O caso aconteceu em 1998, na vila Lousada, que fica no distrito do Porto, no Norte de Portugal. Lá moravam Rui Pedro Teixeira Mendonça, de 11 anos, sua irmã de 8 anos, Carina Mendonça, e seus pais, Filomena Teixeira e Manuel Mendonça. Filomena era diretora de uma autoescola que tinha o escritório em frente à casa deles e o Manuel trabalhava com gado, e por isso fazia algumas viagens para a região de Alentejo, localizada no centro-sul de Portugal, a aproximadamente 496 km de Lousada.
A família era próxima de um vizinho, Afonso Dias, que tinha 22 anos. Afonso vinha de uma família pobre e fazia bicos na região em troca de comida. Ele se aproximou da família do Rui quando tinha 15 anos e começou a frequentar a autoescola para usar a impressora, já que o clube de automóveis, onde ele também trabalhava, não possuía uma. Com o passar do tempo, Afonso começou a andar com o Rui e a Carina, e até ia buscar eles na escola.

Rui e Afonso
No dia 4 de março, Rui almoçou, pegou sua bicicleta e foi ao escritório da autoescola pedir permissão para a mãe para ir encontrar seu amigo Afonso. Ela negou o pedido, mas falou para ele ir brincar na área atrás do escritório. Essa área era um terreno baldio que às vezes era usado para corridas de cavalos, um local que seria tranquilo para ele andar de bicicleta.
Às 17h, Rui tinha aula de reforço, mas não compareceu. Após um tempo, o tutor de Rui ligou para os pais dele para avisar sobre sua ausência e isso preocupou bastante a família, pois não era um comportamento comum do garoto, então eles começaram uma busca pelo garoto imediatamente. A família solicitou ajuda da Guarda Nacional e durante as buscas descobriram que um vizinho encontrou a bicicleta de Rui entre 15h e 16h escondida no mato do terreno baldio onde a Filomena havia dito para ele brincar.
Como o Rui havia pedido para ver seu amigo, a polícia foi ao encontro de Afonso, que disse não ter visto Rui naquele dia. Entretanto, um parente do pai do Rui disse que viu o menino conversando com Afonso, que estava dirigindo um Fiat Uno preto próximo ao terreno baldio. Alguns meninos da vizinhança ainda afirmaram ver Rui entrar nesse carro.
A família estava tão apreensiva que, enquanto acompanhava a guarda nacional durante uma nova conversa com o Afonso, o avô de Rui pediu que ele contasse onde estava o neto, oferecendo um valor alto como recompensa. Afonso começou a chorar dizendo que não sabia mesmo onde ele estava, mas que a polícia deveria fechar as fronteiras se quisessem encontrá-lo. Para piorar, um primo do Rui chamado André contou que no dia anterior ao desaparecimento o Afonso convidou os dois para soltar foguetes no clube de automóveis e depois encontrar garotas de programa. Ele admitiu que, apesar de algum receio, os dois tinham ficado animados para o encontro, mas que André acabou não indo porque sua mãe não o deixou sair de casa naquele dia.

O primo de Rui, André (Foto de 2011)
A guarda nacional continuou as buscas com cães farejadores, e após todas estas pistas, a família pediu ajuda para a Polícia Judiciária, que é um equivalente a Polícia Federal daqui, para uma investigação de rapto, mas eles afirmaram que só poderiam intervir após a autoridade local confirmar o tipo de crime e solicitar ajuda. A família só conseguiu contatar uma juíza no outro dia, e isso atrasou ainda mais as buscas. Apesar disso, naquele momento as autoridades acreditavam que o menino tinha caído de bicicleta e estava apenas desorientado em algum lugar.
Após alguns dias de busca, uma garota de programa chamada Alcina Dias prestou depoimento e contou que no dia do desaparecimento ela foi abordada por um homem em um carro preto, e que dentro do carro havia um menino. O homem teria oferecido 2 mil escudos portugueses (aproximadamente R$56) para que ela tivesse relações sexuais com o menino. Alcina disse que o menino parecia nervoso e começou a chorar quando saiu do carro, então ela o levou para um lugar afastado e passou a conversar com ele, para tentar acalmá-lo.
O menino disse que aquele homem era seu tio e que a sua mãe não sabia que ele estava ali. Eles conversaram por cerca de 15 minutos, e então ela levou o garoto de volta para o carro. De acordo com os jornais, ela conversou algumas vezes com a polícia afirmando reconhecer o menino, mas não sabia o nome do homem para confirmar sua identidade. Além disso, fontes indicam que a polícia não teria registrado o depoimento de Alcina, mostrado fotos do suspeito ou coletado DNA no local de encontro, já que na época não estavam considerando que o menino tinha sido raptado.
O caso foi se tornando extremamente midiático, e a família recebia dezenas de ligações de pessoas afirmando saber algo ou estarem com o garoto, pedindo resgate. Em uma dessas ligações, Filomena disse ter reconhecido a voz do filho e que a ligação foi desligada rapidamente. De acordo com a família, a polícia não estava considerando estas pistas relevantes, e que as autoridades estavam sendo burocráticas, desleixadas e preguiçosas, estando sempre um passo atrás até mesmo de repórteres investigativos.

Filomena e Manuel, os pais de Rui
Em setembro de 1998, uma operação policial internacional conhecida como “Operação Catedral” confiscou material de pornografia infantil de um clube conhecido como The Wonderland Club, que tinha membros nos Estados Unidos, Austrália e diversos países europeus. Nesta operação foram confiscadas 750.000 imagens e vídeos com mais de 1.200 crianças diferentes. Poucas crianças foram reconhecidas e há indícios que um dos pedófilos envolvidos residia em Portugal.
A jornalista Ana Leal, que trabalhava para a TVI, foi uma das profissionais que esteve à frente da polícia ao longo das investigações. Em 2002, ela teve contato com imagens desta operação e contatou a Polícia após ver uma foto em preto e branco de uma criança amarrada e amordaçada e com sinais de tortura. A família identificou o garoto como Rui Pedro, mas nos anos seguintes em demais análises da perícia o resultado foi inconclusivo e o material foi desconsiderado.
Ao longo dos anos houve muita comoção na busca por Rui e alguns avistamentos. Um deles aconteceu em abril de 1998 na EuroDisney: em uma foto da família do comentarista político Nuno Rogério é possível ver um garotinho muito parecido com Rui sentado ao fundo, ao lado de um homem de meia idade e casaco vermelho. A foto foi analisada pela perícia, mas não houveram resultados conclusivos.

Garoto parecido com Rui aparece na foto do político Nuno na EuroDisney
Em 2018, um vídeo de um homem na faixa dos 30 anos bastante similar às projeções de envelhecimento do garoto teve repercussão nas redes sociais e foi enviado à família, mas posteriormente foi negado que se tratava de Rui Pedro.
Vídeo do homem parecido com Rui Pedro
Houve várias trocas de equipe policial trabalhando no caso ao longo dos anos e somente a equipe que começou a atuar em 2008, chefiada por Henrique Noronha, trouxe novas pistas ao caso, além de realizar uma reconstituição e analisar com mais atenção os depoimentos prestados em 1998. A partir do trabalho realizado por esta equipe, em novembro de 2011 foi confirmado que Afonso Dias seria indiciado e julgado por rapto qualificado.
No júri, o depoimento de Alcina Dias foi considerado um dos mais importantes: ela reconheceu que Afonso era o homem que ela viu naquele dia. Além dela, mais sete testemunhas afirmaram terem visto Rui conversando com Afonso e entrando em seu carro pouco antes do desaparecimento.
No primeiro júri, que ocorreu ainda em 2011, Afonso conseguiu absolvição, mas a família de Rui recorreu e ele acabou sendo condenado a 3 anos em 2015. Ele saiu em liberdade condicional após 2 anos por bom comportamento e permaneceu afirmando sua inocência, e que torce para que a família encontre Rui. Após sua liberdade ele anunciou que retornaria ao trabalho de motorista e planejava contar sua história em um livro.

Afonso Dias
Em 2018, o caso completou 20 anos e prescreveu, e Rui Pedro teve automaticamente sua morte presumida segundo as leis portuguesas. A família de Rui, no entanto, ainda tem esperança de que ele esteja vivo e mantêm sites e contatos buscando informações. O nome dele ainda se encontra na lista de desaparecidos da polícia judiciária de Portugal.
Desde que seu filho desapareceu, Filomena nunca deixou de procurar por Rui Pedro, tendo até mesmo saído de seu trabalho para estar à frente das investigações. Segundo fontes, ela chegou a ser internada após ver a foto da criança amarrada que poderia ser o garoto. Em 2021 foi lançado o filme “Sombra”, dirigido e roteirizado por Bruno Gascon que foi inspirado no caso de Rui Pedro, além de ser citado no documentário da Netflix "O Desaparecimento de Madeleine McCann", que também sumiu em Portugal.

Filomena Teixeira em entrevista ao canal SIC Internacional
• FONTES: CM Jornal, Nova Gente, TVI Notícias, Web Archive, Diário de Notícias, Jornal de Notícias, Holofote, Move Notícias.
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