O assassinato de uma criança sempre é um baque na população, e não foi diferente quando o pequeno Eddie Werner, de 11 anos, perdeu sua vida. O que chocou ainda mais é que seu algoz era um adolescente de 15 anos, com um histórico problemático, uma família que pediu socorro e acusações de um sistema que falhou em proteger o bem-estar da comunidade, da vítima e do acusado.
Essa é a versão escrita do episódio #26 - Samuel Manzie:

Samuel Manzie nasceu em 25 de fevereiro de 1982. Ele morava em Jackson Township, Nova Jersey, com seus pais Nicholas e Dolores, e uma irmã mais velha. A cidade é um subúrbio de Nova York e na época do caso tinha 36.000 habitantes.
Sam, como era chamado, foi descrito como bastante solitário e triste, com poucos amigos e que quase não saía de casa. Ele era um menino muito inteligente, que sempre tirava boas notas e era considerado uma “mente brilhante” pelos professores. Como ele não saía muito de casa, passava bastante tempo no computador, e aparentemente seus pais eram bem liberais em relação a isso, até porque, nos anos 90, a internet ainda estava no começo e não existia o debate sobre segurança digital ou sobre ter cuidado com o que seus filhos estavam acessando.
Quando ele tinha 12 anos, ele criou um blog em que falava sobre seu dia a dia e sobre as coisas que ele gostava, como a banda Smashing Pumpkins, além de fazer alguns desabafos, como a vontade de ter de amigos verdadeiros. Ele estudava em uma escola católica só para meninos, mas acabou desistindo antes de completar o primeiro ano da escola secundária por causa do bullying que sofria.

Jackson Township, NJ
Em 1996, Sam começou a achar que poderia ser gay, mas ficou com medo de contar para os pais. Ao invés disso, passou a frequentar fóruns e salas de bate-papo voltados ao público gay. Infelizmente, foi em uma dessas salas que o garoto acabou encontrando um homem de 43 anos chamado Stephen Simmons, que morava em Holbrook, no estado de Nova York. Stephen já tinha sido condenado duas vezes por pedofilia e estava por ali “caçando” mais alguma vítima. Os dois conversaram e mantiveram contato por telefone e também por e-mail, até que Stephen convenceu Sam a se encontrar com ele em um shopping em Freehold. Depois, os dois passaram a noite juntos em um motel aos arredores da cidade.
Quando Sam voltou para casa, encontrou seus pais preocupados, que perguntaram onde ele estava. O garoto disse que tinha saído e resolveu passar a noite em um bosque que ficava próximo ao bairro em que ele morava. Os pais não acreditaram, porque o garoto estava limpo, e inclusive de banho tomado, mas sabiam como agir e acabaram não fazendo nada naquele momento. Depois desse, vieram outros encontros, sempre escondidos. Sam chegou a passar um final de semana com Stephen em uma casa que ele tinha em Long Island, sempre mentindo para os pais que estava com algum amigo.

Stephen Simmons
No começo de 1997, o comportamento de Sam estava piorando muito: sem frequentar a escola, o garoto passava a maior parte do tempo sozinho usando o computador. Quando ele era contrariado, dava socos nas paredes e gritava com os pais. Nessa época ele foi levado até uma instituição psiquiátrica e passou a receber medicação e terapia.
Pouco tempo depois, Dolores e Nicholas descobriram o “relacionamento” entre o filho e Stephen quando foram olhar a conta de telefone e notaram diversas ligações para outro estado. Eles colocaram o garoto contra a parede e ele acabou confessando. Obviamente os pais ficaram chocados e levaram o filho na emergência psiquiátrica do hospital em que ele era atendido. O seu terapeuta, após ouvir de Sam que ele, com 14 anos, teve relações sexuais com um homem de 43, decidiu chamar a polícia. Nicholas ligou para Stephen, disse que sabia o que estava acontecendo, e mandou ele ficar longe do seu filho.

Nicholas e Dolores Manzie
Como Stephen já era condenado, não seria difícil para a polícia encontrá-lo e condená-lo com base no testemunho de Sam e nas provas encontradas no computador da casa dos Manzie, mas o FBI teve uma ideia “brilhante”: usar Sam como uma isca para atrair Stephen, conseguir um flagrante e sua condenação ser maior.
O delegado chamou a família para conversar, e, com o consentimento de seus pais, Sam concordou em ajudar os promotores do estado a construir um processo criminal contra Stephen Simmons por abuso sexual. Foi instalado um gravador no telefone e Sam foi orientado a continuar tendo contato com Stephen para que suas conversas pudessem ser gravadas. Entretanto, dias depois, o adolescente quebrou o gravador com um martelo, destruiu as fitas já gravadas e disse que não iria mais ajudar na investigação, porque ele estava apaixonado pelo Stephen.
Os pais procuraram novamente ajuda psiquiátrica e tentaram internar Sam no dia 24 de setembro, alegando que o adolescente estava fora de controle. Chama a atenção que Dolores implorou a ajuda do hospital dizendo que Sam precisava ser institucionalizado, que ela e o marido estavam com medo do próprio filho e que não queriam levar ele de volta para casa. Mesmo com tudo isso, o pedido de internação foi rejeitado.

Dolores chegou a procurar a corte do condado e pedir para o juiz internar o filho
No dia 27 de setembro, o pequeno Edward Werner, mais conhecido como Eddie, saiu de casa para vender doces e papéis de embrulho para a campanha de arrecadação de fundos de sua escola. Quem vendesse mais ganhava um par de walkie-talkies, e o garoto estava empenhado em levar o prêmio, nem que para isso ele precisava sair em um dia de chuva como era aquele. A vizinhança era extremamente tranquila, então ninguém achou perigoso deixar uma criança de 11 anos bater de porta em porta para vender alguma coisa, até porque isso é uma coisa bem comum nos Estados Unidos.
Quando estava no bairro vizinho, Eddie bateu na porta da casa da família Manzie perto das 17h30. Sam, que estava sozinho em casa, atendeu e convidou o menino para entrar e subir até seu quarto. Lá ele fez avanços sexuais no menino, que tentou desesperadamente fugir do local, mas foi imobilizado por Sam, que era mais velho, mais forte e tinha mais de 1,80 de altura. Sam então pegou o fio da tomada de um despertador e estrangulou Eddie. Depois, ele escondeu seu corpo em uma mala até o dia seguinte, quando saiu para descartá-lo em uma área arborizada que ficava entre os bairros, apenas alguns metros de sua casa.

Eddie Werner
48 horas depois de ser dado como desaparecido, a polícia encontrou o corpo de Eddie. Sam imediatamente foi tratado como pessoa de interesse devido ao seu histórico problemático e a localização do corpo. A confirmação veio quando a própria Dolores Manzie chamou a polícia e entregou o filho, que foi interrogado e confessou o crime. A polícia revistou o quarto de Sam e encontrou fotos que mostravam ele e Stephen em atos sexuais, além de material de pornografia infantil, que Sam disse pertencer ao homem.
O julgamento aconteceu no dia 19 de março de 1999, na cidade de Toms River. Samuel seria julgado como adulto, e poderia receber a condenação de prisão perpétua pelos crimes de assassinato, roubo e agressão sexual agravada. Tanto seus pais quanto seu advogado pediram para que ele se declarasse inocente por motivo de insanidade, mas ele mesmo se declarou culpado.
Por causa da confissão e da declaração de culpa, o juiz condenou ele apenas pelo crime de assassinato em primeiro grau, e a pena foi de 70 anos de reclusão, com possibilidade de condicional após cumprir 30 anos. Samuel disse no tribunal: “Sinto muito por todo o sofrimento pelo qual fiz tantas pessoas passarem, as vidas da minha própria família, e mais ainda, da família Werner, eles perderam seu filho”. Ele foi mandado para cumprir pena na Prisão Estadual de Nova Jersey em Trenton.

Samuel Manzie durante seu julgamento
Quanto ao Simmons, ele foi preso pelo crime de contato sexual com um menor de idade poucos dias antes da morte de Eddie. Samuel se recusou a testemunhar contra ele, e como ele era a única testemunha dos crimes, a pena de Stephen acabou sendo de apenas 5 anos. No julgamento, Sam chocou ao pedir para que o juiz levasse em conta que Stephen nunca tinha sido violento, nunca havia forçado ele a fazer algo e que ele não se arrependia do relacionamento com aquele homem, quase 30 anos mais velho.
Stephen admitiu ter cometido os atos sexuais e disse que, se ele não tivesse conhecido Samuel Manzie, Eddie Werner nunca teria morrido. Ele discursou no tribunal dizendo: “Se eu pudesse sacrificar minha vida para trazer Eddie Werner de volta, eu o faria. Não sou uma pessoa má”. Ele ainda prometeu manter contato com Samuel quando ele saísse da prisão, o que indignou os pais do adolescente. Nicholas disse que Stephen tinha feito um bom trabalho em controlar a mente de Sam.
Posteriormente, Stephen deu uma longa entrevista para o jornal Village Voice comentando sobre sua vida na prisão, e como ele não se considerava um “mau pedófilo”, alegando que nunca havia tido relações com crianças, apenas com adolescentes. Ele também disse que foi Samuel que tomou a iniciativa em várias ocasiões: “Ele queria ir para a cama com um homem mais velho, bem, eu era o homem mais velho. Eu era a fantasia. Eu era o estúpido que o deixou me convencer a fazer isso”. Você pode ler a entrevista completa de Stephen (em inglês) aqui.

Jornal da época noticiando o caso
Depois que o caso veio à tona, todo mundo queria encontrar um culpado: os fóruns da internet, os pais de Sam por deixarem ele usar o computador sem supervisão, os pais de Eddie por deixar ele sair sozinho para vender doces, tentaram até dizer que a culpa seria das músicas que Sam escutava.
Os pais de Eddie, Edward e Valerie, moveram um processo contra cinco psiquiatras e dois hospitais que atenderam Samuel, alegando negligência. Inicialmente o processo também se estendia a Dolores e Nicholas, mas posteriormente o nome deles foi removido. Os pais de Eddie chegaram a encontrar os Manzie em um encontro marcado com a ajuda do reverendo da igreja que o casal Werner frequentava. Nesse encontro, os casais abraçaram e choraram muito, e Edward pediu para que as pessoas não os condenassem, porque eles haviam tentado, sem sucesso, controlar o filho. O pai de Eddie, que era advogado, tornou-se um defensor dos direitos das vítimas e chegou a se candidatar para a Assembleia de Nova Jersey pelo partido democrata.
Em entrevistas posteriores, Dolores e Nicholas disseram que Samuel apresentou alguns sinais problemáticos quando era criança, como atear fogo em objetos e machucar animais. O terapeuta de Samuel alertou os pais dizendo que o filho tinha “tendências psicopatas”, além de ideias suicidas desde os 12 anos de idade. Dolores também contou que conversou o filho na prisão sobre a reconciliação das famílias. Ao ser perguntada como Samuel reagiu à notícia, ela disse que ele não apresentou nenhuma reação. Nicholas se juntou a um grupo chamado Cyber Angels, que dava palestras alertando sobre os perigos da internet sem supervisão e monitorando atividade de possíveis pedófilos.
Quanto a falha do FBI, Andrew Vachss, advogado da cidade de Nova York com experiência em crimes sexuais infantis, disse que os investigadores erraram em usar Sam para obter provas contra Stephen, já que somente as conversas online e o extrato do cartão de crédito já seriam o suficiente para um mandado de busca contra ele, que já era condenado.
O caso também abriu um debate sobre o quanto adolescentes realmente sabem o que é um relacionamento, e como pessoas mais velhas, na sua grande maioria homens, se aproveitam disso. Ritch Savin Williams, professor de psicologia da Universidade de Cornell, entrevistou 180 homens gays e bissexuais, e constatou que metade deles tiveram suas primeiras experiências sexuais com menos de 17 anos, com pessoas pelo menos 4 anos mais velhas.
Jane Velez-Mitchell, que cobriu o caso na época, disse em entrevista para o documentário Too Young to Kill “Os pais de Samuel Manzie tentaram desesperadamente conseguir ajuda para seu filho, eles sabiam que ele era uma bomba relógio. O sistema falhou aqui, e um garoto está morto por causa disso”.

Foto mais recente de Samuel Manzie - ele está com 40 anos e
pode entrar com um pedido de liberdade condicional em 2027
• FONTES: Too Young to Kill: 15 Shocking Crimes, Murderpedia, The New York Times, CBS.
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