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  • Foto do escritorRodolfo Brenner

#53 - Bernardo Boldrini: Negligência Familiar | MISTÉRIOS

A cidade de Três Passou ficou marcada como palco de um dos crimes mais chocantes contra uma criança, quando o pai e a madrasta de um menino de 11 anos planejaram seu assassinato.


Essa é a versão escrita do episódio #53 - Bernardo Boldrini - Negligência Familiar:



Bernardo Uglione Boldrini nasceu no dia 6 de setembro de 2002, na cidade de Santa Maria, RS. Ele era filho de Leandro Boldrini e Odilaine Uglione. Posteriormente a família se mudou para Três Passos, uma cidade de pouco mais de 24 mil habitantes. Leandro era médico e também o único cirurgião da cidade, e por isso rapidamente fez dinheiro e fama no local. Além da sua clínica particular, ele também atendia no Hospital de Caridade de Três Passos.


Odilaine, Bernardo e Jussara Uglione


Segundo conhecidos, a relação entre Leandro e Odilaine não era boa, e eles brigavam muito, principalmente porque Leandro passava muito tempo fora de casa. Em 2010, ele pediu o divórcio, mas Odilaine não aceitou a situação, e teria cometido suicídio na clínica de Leandro alguns dias antes de assinar os papéis do divórcio. Algumas semanas depois, Leandro assumiu namoro com uma mulher chamada Graciele Ugulini, que era enfermeira.

Quanto ao filho, Bernardo, ele era descrito como um garoto muito inteligente e muito carinhoso com todos. Ele gostava muito de passar com o tempo que tinha com a família, com a avó materna e com a sua madrinha. Bernardo também era bastante querido pelos seus vizinhos, e chegava a passar dias dormindo na casa deles. Na época do caso, ele estava com 11 anos.


Graciele Ugulini e Leandro Boldrini


No dia 4 de abril de 2014, Leandro contou que a madrasta, Graciele, teria levado o garoto até a cidade vizinha de Frederico Westphalen para comprar uma televisão. Na volta, Bernardo avisou ao pai que iria dormir na casa de um amigo e voltaria no domingo, tendo saído de casa próximo das 18h. Após isso, ele não foi mais visto. O pai só se deu conta do desaparecimento quando o garoto não voltou pra casa. Leandro então foi até a casa desse amigo, mas foi informado que Bernardo não tinha sequer ido para lá naquela semana. Após isso, ele reportou o desaparecimento na delegacia.

O sumiço de Bernardo causou muita comoção na cidade: locais criaram um grupo no Facebook para divulgar e reunir informações, e em pouco tempo esse grupo já tinha mais de 50 mil membros. Moradores também espalharam cartazes com fotos do menino, e o pai foi até uma estação de rádio local pedir para que Bernardo voltasse para casa. Na época, a polícia não encontrou nenhuma pista de onde Bernardo estava. Foram levantadas as hipóteses de fuga e de sequestro, mas elas foram descartadas. Foi investigado se o desaparecimento dele estaria ligado a morte da estudante universitária Kimberly Ruana Ruckert, de 22 anos, que foi encontrada sem vida dentro de um automóvel na cidade vizinha de Palmeira das Missões, mas logo isso foi descartado.

Após 10 dias de investigação, o corpo de Bernardo foi encontrado na cidade de Frederico Westphalen, a 80 km de distância de Três Passos. Ele estava nu, enterrado em uma cova rasa. O corpo foi velado no ginásio do Colégio Ipiranga, onde ele estudava. O enterro aconteceu no Cemitério Municipal de Santa Maria, onde Bernardo foi sepultado no mesmo local que estava o corpo de sua mãe. Mais de 100 pessoas acompanhavam o velório, entre familiares, conhecidos e amigos da família Boldrini. Entretanto, o pai e a madrasta não estavam lá, pois eles estavam detidos por suspeitas de terem matado Bernardo.


Velório de Bernardo contou com centenas de pessoas


A polícia começou a desconfiar do pai e da madrasta quando eles demostraram estarem calmos diante daquela situação. No dia do crime, Bernardo viajou com a madrasta para a cidade de Frederico Westphalen com a desculpa de comprar uma televisão e consultar com uma benzedeira. Ela tentou negar que fez essa viagem, porém, uma multa por excesso de velocidade que ela tomou naquele dia comprovava que ela esteve na cidade.

Em Frederico Westphalen, a polícia descobriu que Graciele ela visitou uma amiga chamada Edelvânia Wirganovicz, e um vídeo de uma câmera de segurança mostrava Bernardo e a madrasta saindo do seu carro e entrando no carro dessa amiga. 2 horas depois, as duas voltam sem ele. A polícia foi até a casa de Edelvânia e apreendeu uma pá e uma cavadeira, posteriormente confirmadas como usadas para cavar a cova onde o menino foi colocado.

Edelvânia foi levada para depor e contou o que tinha acontecido: segundo ela, Graciele chegou com o garoto, que já parecia dopado. As duas se dirigiram até uma área afastada da cidade, tiraram ele do carro e pediram para Bernardo deitar sob uma toalha. Lá, ele recebeu uma injeção de um medicamento usado para endoscopia e morreu minutos depois. As duas enterraram ele em uma cova previamente cavada pelo irmão de Edelvânia, Evandro, e jogaram soda cáustica sobre o corpo.


Edelvânia e Evandro Wirganovicz


A polícia chamou Graciele para depor, e, segundo ela, tudo não passou de um acidente: ela teria dado remédios para Bernardo ficar mais calmo durante a viagem, mas o garoto acabou tendo uma overdose e morrido. Em desespero, ela chamou Edelvânia e as duas enterraram o menino. Essa versão não convenceu a polícia, que prendeu Graciele, Edelvânia e Leandro, isso porque o remédio usado na injeção letal foi comprado com uma receita assinada por ele. Além disso, uma funcionária que trabalhou por anos na clínica de Leandro disse que o medicamento sumiu do estoque dias antes da morte de Bernardo. A polícia também descobriu que, na noite que Bernardo desapareceu, Leandro e Graciele foram a uma festa, provavelmente comemorar que tinham se livrado daquele que eles não consideravam fazer parte da família.


Bernardo Boldrini


Durante a investigação, a polícia descobriu que Bernardo vivia uma situação de negligência e abandono familiar: segundo vizinhos e amigos da família, o menino estava sempre dormindo na casa de outras pessoas e era visto sentado do lado de fora da própria casa, pois não tinha uma cópia das chaves com ele, e só podia entrar quando a madrasta permitia. Segundo sua avó materna, Jussara Uglione, que na Leandro não permitia que ela tivesse contato com Bernardo. Ela chegou a pedir a guarda do garoto na Justiça, mas o pedido foi negado, segundo ela, porque Leandro tinha dito que ela era velha demais para cuidar dele. Jussara também levantou as primeiras suspeitas sobre o suicídio de Odilaine.

Bernardo também era proibido de ter contato com a irmã (filha de Leandro com a madrasta). Vizinhos disseram que nunca viam os 4 juntos, e que o garoto passava mais tempo na casa de amigos do que com a própria família. Também foi descoberto que Bernardo já tinha procurado a justiça por conta própria para contar o que vivia em casa: a promotora da Infância e Juventude de Três Passos, Dinamárcia Maciel, abriu um procedimento investigativo, que constatou que ele realmente sofria negligência. Entretanto, a justiça decidiu manter a guarda do garoto com o pai: Leandro se mostrou interessado em restabelecer o vínculo com o filho, e a justiça dá preferência pela família biológica.

Apesar de Bernardo não ter dito que sofria agressões físicas, vizinhos disseram que ouviram gritos de Bernardo na casa, além de terem presenciados a madrasta batendo nele com uma vassoura. Quando o casal foi questionado, Leandro disse que aquilo era apenas uma “brincadeira". Foi feita uma apreensão em celulares e computadores de Leandro e Graciele, e lá eles descobriram mensagens, fotos e vídeos em que Bernardo aparecia sendo ameaçado e humilhado pelos dois. Em uma das piores histórias, Leandro teria dado comida ao filho em uma tigela do cachorro. O pai também dizia que Bernardo sofria de sérios distúrbios e de descontrole emocional, e que ele era descontrolado como a mãe.

Como não recebia amor e cuidado em casa, Bernardo passou a procurar isso na casa de vizinhos, e um casal que era próximo da família Boldrini, Carlos e Juçara, era o que Bernardo chamava de família, isso porque ele chegava a dormir até 10 dias seguidos na casa deles. O casal também participou da primeira comunhão do garoto, já que o pai e a madrasta tinham viajado. Bernardo chamava Juçara de “mãe adotiva”, inclusive em algumas homenagens de dia das mães.

Carlos e Juçara na primeira comunhão de Bernardo


Depois do assassinato de Bernardo, a avó materna pediu a reabertura da investigação da morte de Odilaine, que teria se matado antes de assinar o divórcio. Segundo o advogado da avó, Odilaine receberia 1 milhão e meio após a separação, e era preciso investigar se ela não teria sido morta por Leandro. Segundo a investigação da época do crime, Odilaine teria ido até a clínica de Leandro e esperado por ele em uma sala. Lá, ela teria pego uma arma e atirado na própria cabeça. A perícia teria confirmado o suicídio através de uma carta de despedida deixada por Odilaine.

Foi realizado uma nova perícia por uma empresa particular, que descobriu novas evidências de que, talvez, Odilaine não tinha se matado: revisando o processo, foi descoberto que a carta poderia ser forjada, e que ela tinha pólvora na mão esquerda, sendo que ela era destra. A carta teria sido escrita pela secretária de Leandro, que teria recebido uma alta quantia para isso. Mesmo com a exumação do corpo e com outros laudos, no início de 2016 a conclusão da justiça foi que realmente tinha sido um suicídio, e o inquérito foi arquivado novamente.


A carta que teria sido escrita por Odilaine: documento ainda gera debate sobre sua veracidade


Após o caso, o juiz Fernando Vieira dos Santos, responsável por ter autorizado que Bernardo continuasse morando com o pai, disse posteriormente que apenas cumpriu as normas padrões do ECA, embora tenha se sentido enganado pelo pai. A polícia também ouviu uma ex-babá do menino também deu entrevista afirmando que o garoto recebia pouca atenção do pai e da madrasta. Segundo ela, Graciele “Sempre afastava o menino dela e agredia com palavras”. Apesar de presenciar as agressões, ela nunca teria feito uma denuncia por medo de represálias.

Leandro foi indiciado por falsidade ideológica, homicídio quadruplamente qualificado por emprego de veneno, motivo torpe, fútil e recurso que dificultou a defesa da vítima. Graciele e Edelvânia foram indiciadas pelo homicídio e pela ocultação de cadáver, enquanto Evandro, o irmão de Edelvânia, foi indiciado só pela ocultação. Os 4 estavam presos desde 2014, mas o júri só foi realizado em março de 2019, e foi transmitido ao vivo pela TV e por diversos portais: durante o julgamento, os promotores sustentaram que o crime não tinha nenhuma motivação além da crueldade, apenas Evandro teria participado por dinheiro. Apesar disso, Edelvânia disse que só participou porque Leandro e Graciele ofereceram R$ 90 mil para a sua participação.


Graciele durante o julgamento


A defesa de Edelvânia disse que a morte tinha sido acidental e que, ao ver o menino desacordado, ela quis ir até a delegacia, mas foi ameaçada por Graciele. Ela também disse que o irmão não era culpado. - Após a deliberação do júri, os 4 foram condenados: Leandro foi condenado a 33 anos e 8 meses, Graciele foi condenada a 34 anos e 7, Edelvânia foi condenada a 22 anos e 10 meses, todos em regime fechado. Evandro foi condenado a 9 anos e 6 meses em regime semiaberto.

Em dezembro de 2021, o 1º Grupo Criminal do TJ-RS acolheu um recurso de Leandro Boldrini e anulou o seu julgamento, que está marcado março de 2023. Em junho de 2022, Edelvânia também foi para o regime semiaberto.


UPDATE:


Leandro Boldrini foi novamente condenado por homicídio qualificado pela participação na morte de Bernardo. Ele foi condenado a 30 anos e 8 meses de prisão pelo homicídio quadruplamente qualificado por motivo fútil, emprego de veneno, uso de recursos que dificultaram a defesa e a promessa de recompensa. Ele também foi sentenciado a mais um 1 ano pelo crime de falsidade ideológica. Entretanto, Leandro foi absolvido da acusação de ocultação de cadáver.

A defesa de Boldrini disse que vai avaliar se vai recorrer da decisão. "Foi um resultado apertado: 4 votos a 3. Isso nos dá a certeza de que há elementos para acreditar e provar a inocência do Leandro. Não sei se Leandro quer continuar com essa luta. Vou conversar com ele para ver se quer seguir adiante ou aceitar a sentença", afirmou o advogado Ezequiel Vetoretti.

Já a promotora de Justiça Lúcia Helena Callegari afirmou que recorrerá. "Minha preocupação maior é em relação à pena de homicídio, e hoje eu esperava 40 anos (de prisão)". Ela considerou a ausência do réu na maior parte do julgamento uma estratégia de defesa: "A presença do réu seria um fator bastante negativo para os jurados, mas, por outro lado, eu saí bastante satisfeita porque a sociedade de Três Passos ouviu o Ministério Público. (...) Mas triste por saber que a gente está tratando de um fato que jamais deveria ter acontecido".


Leandro durante o seu 2º julgamento


Depois do crime ter repercutido no Brasil todo, políticos, celebridades e ativistas começaram a pressionar pela aprovação de uma lei mais dura contra o abandono parental e a violência contra as crianças. Proposta pela deputada Teresa Surita (PMDB-RR), em 2014 foi sancionada a Lei da Palmada, rebatizada de Lei Menino Bernardo: ela altera o ECA para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante.

Uma das principais ativistas da lei foi a apresentadora Xuxa Meneghel, que visitou a câmara dos deputados e o senado durante todo o tramite da lei. Ela disse em entrevista: “É possível educar sem violência. Queremos que as pessoas mudem esse conceito de que as crianças só aprendem de um jeito. É possível fazer diferente”.

Bernardo Boldrini, Isabela Nardoni, Henry Borel, Sophia de Jesus, Ísis Helena, Rhuan Maycon, Rafael Winques. Todas elas eram apenas crianças quando foram mortas pelos seus pais, aqueles que mais deveriam zelar por suas vidas. Se você presenciou, vivencia ou conhece um caso de violência contra crianças e adolescentes, disque 100 e denuncie, o serviço funciona 24 horas e pode ser feito de forma anônima.


Homenagens para Bernardo no dia que ele completaria 12 anos


FONTES: UOL, G1, Freak TV, Zero Hora, Senado.

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