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#8 - O Exorcismo de Anneliese Michel | MISTÉRIOS

Foto do escritor: Rodolfo BrennerRodolfo Brenner

Uma jovem supostamente possuída morre durante um exorcismo, e o caso é levado até o tribunal da Alemanha, mas quem pode ser considerado culpado? O exorcismo ficou tão famoso que inspirou o filme “O Exorcismo de Emily Rose”.


Essa é a versão escrita do episódio #8 - O Exorcismo de Anneliese Michel:



Anna Elisabeth Michel, conhecida pela família por Anneliese, nasceu em 21 de setembro de 1952 em Leiblfing, Baviera, Alemanha Ocidental. Ela vinha de uma família católica muito devota, que ia a igreja pelo menos duas vezes por semana: seus pais eram Josef e Anna, e ela também tinha outras três irmãs mais novas chamadas Gertrud, Barbara e Roswitha. Por anos não se sabia quase nada sobra a infância e adolescência da Anneliese, porém a história ganhou novos capítulos quando a escritora Felicitas Goodman fez uma extensa pesquisa sobre ela, que resultou no livro “The Exorcism of Anneliese Michel”.

Durante a infância ela era uma criança muito magra, fraca e que ficava doente com facilidade. Isso inclusive era uma questão na escola e na vizinhança, com as pessoas se perguntando qual era o motivo disso. Com o passar dos anos, apesar de continuar doente, ela ficou mais sociável e tinha mais amigos, sendo descrita como uma garota alegre, piadista e muito participativa, com ótimas notas. No tempo livre ela gostava de tocar acordeão.


A casa da família Michel em 2016


No final de setembro de 1968, Anneliese desmaiou na escola, e naquela mesma noite, teve sua primeira convulsão: para quem não sabe, é um estado no qual os músculos se contraem de forma involuntária e os movimentos ficam desordenados. Foi descrito que ela acordou naquela noite e não conseguia se mexer, como se existisse uma força gigante a prendendo. Essa força era tão forte na região do abdômen que ela acabou se urinando. Ela não conseguia respirar direito ou chamar alguém da sua família, e pensou que estava morrendo. Isso durou cerca de 15 minutos, porém ela só recobrou a consciência no outro dia. Como isso não voltou a ocorrer, ela acabou não procurando um médico.

Um ano depois, em agosto de 1969, ocorreu uma segunda convulsão, e desta vez os seus pais decidiram procurar atendimento médico. Ela foi encaminhada para um neurologista chamado Dr. Lüthy, que realizou um eletroencefalograma e constatou que o exame não apresentou nenhuma irregularidade. Entretanto, a partir do relato pessoal, ela foi diagnosticada com epilepsia total do tipo ataque epilético ou grande mal, que é a mais grave.


Eletroencefalograma de um paciente com epilepsia


Mais ou menos na mesma época, a Anneliese precisou retirar as amígdalas, e durante o pós-operatório ela acabou contrariando uma pneumonia muito grave, tanto que ela foi internada em um hospital especializado em doenças pulmonares que ficava à 350km da sua casa. Os médicos do local disseram que, nesse período, ela se sentia muito solitária, começou a apresentar problemas cardíaco, circulatórios e pensamentos suicidas.

Em junho de 1970 ela teve outra convulsão, e alguns dias depois, os residentes do hospital se juntaram para fazer uma oração por ela. Alguns pacientes disseram que, durante a prece, notaram que seus olhos ficaram escuros e que suas mãos pareciam garras. Mais tarde, quando estava rezando o rosário, a Anneliese viu um rosto enorme e muito feito. Esse evento a assustou tanto que ela começou a ter medo de atividades religiosas.

Em agosto de 1970 ela recebeu alta e for para casa, porém, a sua família começou a notar mudanças muito grandes de humor na jovem, que se comportava de forma muito estranha, principalmente à noite.


A família Michel - atrás: Anneliese, Gertrud, Barbara e Roswitha - na frente: Anna e Josef


Por causa da internação, Anneliese ficou quase um ano fora da escola, e quando voltou para a aula os seus amigos já tinham se formado. Por causa disso, ela ficou ainda mais solitária e deprimida, e suas notas caíram. Acreditando que seria um efeito colateral, o seu anticonvulsivante foi trocado.

Em junho de 1972, ela teve outro ataque epilético, e por causa disso o Dr. Lüthy trocou sua medicação para um medicamento chamado Dilantin. Depois disso, médicos e familiares começaram a notar diversos efeitos colaterais em Anneliese como desmaios e alucinações. A jovem também se queixava muito de odores ruins no ambiente, porém só ela sentia. Com o tempo, ela passou a repelir cada vez mais artefatos religiosos, e assim como no sanatório, sua mãe também testemunhou o escurecimento dos olhos e as mãos se transformando em garras quando Anneliese passou perto de uma estátua da Virgem Maria.

Em outro momento, seu pai a levou até um santuário em San Damiano, na Itália, porém ela não conseguiu entrar: Anneliese relata que sentiu como se o chão em que ela estava pisando estivesse pegando fogo, além de não conseguir olhar diretamente para as imagens de santos presentes no local. Ela e o pai voltaram de ônibus, porém no meio do caminho a a sua voz mudou, ela rasgou um rosário e exalou um cheiro horrível que todos os outros passageiros puderam sentir.

Em setembro de 1973, por insistência de sua mãe, Anneliese foi mais uma vez ao Dr. Lüthy, que acrescentou mais um medicamento ao seu tratamento. Mais tarde o médico relatou que ela dizia estar vendo rostos horríveis e que o diabo estava nela. Ela afirmou também que logo haveria um julgamento de fogo para todos. Foi a partir desse momento que seus pais decidiram procurar ajuda da Igreja.


Anneliese e sua mãe


Talvez por causa dos filmes de terror temos a impressão de que basta um padre chegar até o possuído e fazer o exorcismo, porém esse procedimento é exatamente burocrático dentro da Igreja Católica: primeiro é feita uma investigação para descartar que o “possuído” não é alguém com esquizofrenia ou outra doença psiquiátrica, ou uma fraude. Se o caso não for descartado, o padre deve solicitar a autorização do bispo, que pede provas de que algo estranho realmente esteja acontecendo através dos 4 sinais de possessão: domínio de línguas extintas e desconhecidas (como o latim), conhecimento de assuntos improváveis (detalhes da vida do exorcista, por exemplo), força incompatível com a condição física e a idade do sujeito, e aversão ao sagrado.

No primeiro momento em que a família entrou em contato com a Igreja, os sacerdotes não acreditaram que ela estava realmente possuída, e aconselharam que ela fosse a outro médico. Em novembro de 1973, ela visitou outro médico que substituiu os medicamentos que ela estava tomando por um remédio chamado Tegretol. Como as coisas não melhoraram, a família entrou em contato com outro sacerdote, o padre Adolf Rodewyk, que era considerado um especialista em possessão demoníaca. Ele acreditou que realmente era um caso de possessão e encaminhou Anneliese para o padre Ernst Alt, que iniciou um processo de exorcismo.

O padre Ernst começou a visitar Anneliese regularmente para abençoá-la e orar junto com ela, porém o seu estado foi agravando: ela parou de comer, beber e dormir, gritava, ficava agressiva, comia insetos e carvão, batia nas pessoas que se aproximavam e destruía artefatos religiosos. Houve relatos de que ela corria pela casa com uma velocidade altíssima, além de apresentar uma força sobre-humana, chegando a jogar uma de suas irmãs para longe sem fazer força.

A família estava muito assustada, mas tudo piorou depois que ela começou a dizer estar vendo membros da família que já haviam falecido, além de feridas apareceram em suas mãos e pés. Nessa época o Padre Ernst não estava disponível para visita-la, então foi o próprio padre Adolf que compareceu a casa da família e precisou Anneliese em completo estado hipnótico. Quando o padre perguntou seu nome, ela respondeu com uma voz alterada: “Judas”. O Padre Adolf relatou tudo o que aconteceu ao bispo Josef Stangl, que designou o padre Arnaldo Renz para realizar o exorcismo.


Os padres Arnaldo Renz e Ernst Alt


No dia 24 de setembro de 1975 aconteceu a primeira sessão de exorcismo com Anneliese: a jovem reagia violentamente quando jogavam água benta nela, gritava, tentava se morder e xingava muito o padre e os familiares que acompanhavam as sessões, que eram longas e chegaram a durar mais de 4 horas.

A partir do segundo exorcismo, quatro dias depois, o padre Adolf começou a gravar todas as sessões - ao longo das semanas seguintes, seis demônios disseram que estavam tomando conta da jovem: Judas (o apóstolo que traiu Jesus), Nero (o imperador que botou fogo em Roma), Caim (filho de Adão e Eva que matou o irmão Abel), Hitler (o ditador), Padre Fleischmann (um padre de Ettleben que disse ter sido condenado ao inferno por ter se relacionado com várias mulheres e ter matado uma pessoa) e o próprio Lúcifer.


Audios das fitas do exorcismo de Anneliese com legendas em português (CONTEÚDO SENSÍVEL)


Em outubro de 1975 os demônios disseram que estavam deixando o corpo da jovem e partindo, porém voltaram logo depois por um 7º demônio que até então ninguém sabia que também estava nela. Isso durou até fevereiro de 1976, quando eles foram ouvidos pela última vez. Anneliese disse que maio e junho seriam meses muito difíceis, mas ela estaria livre em julho, desde que nenhum médico fosse tratá-la. Esses meses realmente foram difíceis, pois ela parou de comer e ficou ainda mais agressiva, ao ponto de sua família ter que amarrá-la durante a noite.

De setembro de 1975 até junho de 1976, Anneliese Michel passou por 67 sessões de exorcismo. Além das gravações, o Padre Renz mantinha um diário com os acontecimentos e transposição das falas que os demônios diziam usando o corpo da jovem. O último exorcismo foi realizado no dia 30 de junho, com Anneliese extremamente debilitada, pensando 31 quilos. Durante a sessão ela pediu “absolvição” ao padre, que concedeu. Na manhã seguinte, 1º de julho de 1976, sua mãe encontrou Anneliese morta em sua cama.


Anneliese durante as sessões de exorcismo - no fim de sua vida ela estava muito debilitada


A autópsia revelou que ela morreu de fome e destruição. Alguns relatos dizem que, apesar disso, seus órgãos internos estavam intactos, assim como seu cérebro, que deveria ter alguma anomalia para causar os ataques epilépticos.

Em abril de 1978, os pais de Anneliese, Josef e Anna, e os padres Ernst Alt e Arnaldo Renz foram acusados de homicídio por negligência. Durante o julgamento, três especialistas testemunharam sobre o estado de saúde de Anneliese Michel e concluíram que a jovem estava apresentando um caso de psicose delirante associada à epilepsia, agravada pelo rito de exorcismo. Também foi dito que se ela tivesse recebido tratamento médico eficiente e alimentação provavelmente estaria viva.

A defesa também usou a medicina para justificar o rumo que o caso tomou: os pais da jovem só procuraram a Igreja porque não encontravam mais outras saídas. Além disso, os medicamentos que ela tomou causavam diversos efeitos colaterais, que poderiam explicar a falta de confiança nos médicos. Eles também percorreram o caminho da religião, defendendo o exorcismo e passando as fitas gravadas para os jurados.

O juiz condenou todos a prisão e pagamento de multa pelos custos judiciai, porém a pena deles foi suspensa porque eles eram réus primários. Os padres também foram afastados temporariamente de suas funções.


Reportagem do jornal "The Dispatch" sobre o julgamento dos réus


O julgamento da Anneliese chamou bastante atenção pela Alemanha, causando alguns debates sofre a influência da igreja nas leis do país. Além disso, o número de exorcismos foi reduzido e regras mais rígidas foram sancionadas pela Igreja Católica.

Os pais dela pediram permissão para exumar os restos mortais de sua filha e enterrá-los em outro local porque, segundo eles, seu enterro foi feito às pressas e em um caixão barato. O pedido foi aceito e em fevereiro de 1978 seus restos mortais foram colocados em um novo caixão. Anneliese virou uma intercessora, e seu túmulo é um local de peregrinação até hoje, já que muitos católicos acreditam na veracidade do exorcismo e que tudo o que ela viveu foi para salvar outras almas, algo que ela mesmo disse em alguns momentos.


O túmulo de Anneliese Michel


Em 2005, Anna, a mãe da jovem, foi entrevistada pelo jornal inglês The Telegraph. Ela já estava com mais de 80 anos e ainda morava na mesma casa e também visitava o túmulo da filha sempre que podia. Apesar das polêmicas, ela disse que não se arrepende do exorcismo, e que "Anneliese morreu para salvar outras almas perdidas, para expiar seus pecados”.

Em 2005 saiu um filme baseado no caso: O Exorcismo de Emily Rose. Uma história parecida com o caso, porém se passa na América e foca no julgamento de um padre pela morte de uma jovem após um exorcismo que saiu do controle. Jennifer Carpenter, Tom Wilkinson e Laura Linney estão nos papéis principais. Em 6 de junho de 2013, um incêndio destruiu parte da casa onde Anneliese vivia. Embora a polícia local dissesse que foi um caso de incêndio criminoso, alguns moradores ainda culpam o demônio.



• FONTES: Superinteressante, Certainly Comment, The Exorcism of Anneliese Michel, All That's Interesting, Bugged Space.

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