Em 2002, uma família de trabalhadores rurais sai de casa para ir em um velório e desaparece de forma misteriosa na Argentina. As investigações apontam para várias pistas, incluindo processos trabalhistas, vingança e um caso extraconjugal.
Essa é a versão escrita do episódio #40 - A Família Gill:

O caso aconteceu na cidade de Crucecitas Séptima, que fica na província de Entre Rios, no leste da Argentina. Lá moravam o casal de caseiros Rubén Gill, de 56 anos e Margarita Norma Gallegos, de 26 anos. Eles tinham 4 filhos: Maria Ofélia (12 anos) Osvaldo José (9 anos) Sofia Margarida (6 anos) e Carlos Daniel (4 anos).
Do pouco que se sabe sobre a família, é dito que o Rubén era um homem bastante alegre e sociável, embora apresentasse alguns momentos silenciosos e de preocupação. Margarita, além de trabalhar na fazenda, também trabalhava como cozinheira em uma escola próxima. Rubén e Margarita trabalhavam na fazenda La Candelaria, que pertencia a um homem chamado Alfonso Goette.

Rubén junto com 3 de seus filhos
Existem divergências de quando a família desapareceu: segundo as investigações, a última vez que eles foram vistos foi na noite de 12 de janeiro de 2002, quando eles viajaram até Viale, uma cidade vizinha, para o velório de um amigo da família. Entretanto, um vizinho que morava na frente da fazenda disse que viu Rubén andando a cavalo no dia 14 de janeiro.
Em abril de 2002, 3 meses depois, Alfonso entrou em contato com familiares dos Gill para perguntar se eles sabiam o que tinha acontecido com a família, porque ele tinha dado férias para eles no começo do ano, mas eles ainda não tinham retornado. A irmã de Rubén, Luisa Gill, foi quem fez a denúncia de desaparecimento. Alfonso alegou primeiramente que a família não tinha levado nenhum pertence, incluindo dinheiro e documentos. Entretanto, Luisa disse, quando ela e outros parentes foram até o local, não havia mais nada da família lá. Alfonso alegou que precisou se livrar dos objetos por conta de uma infestação de insetos naquela casa.
A polícia descobriu que no dia 13 de janeiro foram feitas ligações do celular de Rubén para o telefone fixo de uma mulher na cidade Rosário, na província de Santa Fé, mas essa mulher nunca foi localizada ou identificada. O celular permaneceu ativo até abril de 2003, quando parou de enviar sinal para a torre.

A Fazenda "La Candelaria"
O caso foi dado ao juiz Jorge Sebastián Gallino, da cidade de Nogoyá. Os policiais questionaram diversos parentes, amigos e vizinhos da família, mas ninguém sabia o que tinha acontecido. Uma primeira teoria foi a de que eles tinham saído da fazenda por conta própria, mas isso logo foi descartado porque a família não tinha carro, e naquela época a Argentina passava por uma crise econômica, e era pouco provável que Rubén e Margarita largassem seus empregos. Além disso, Margarita nunca foi buscar o seu último pagamento na escola onde trabalhava.
Em 2006, o advogado da família Gill levantou a possibilidade da participação de policias no desaparecimento: segundo ele, alguns agentes que prestavam serviços nas delegacias da área estavam envolvidos no desaparecimento de dois homens, o contador Amado Abib e o arquiteto Mario Zappegno. Esta hipótese foi descartada posteriormente.
Somente em 2008, 6 anos depois do desaparecimento, foi realizada uma investigação mais completa na fazenda La Candelaria: foram encontradas três amostras de sangue, que posteriormente foi comprovado como sendo sangue humano, embora não tenha sido possível testar o DNA. Os investigadores monitoraram diversas áreas da fazenda com cães farejadores e uma sonda de eco que podia encontrar vestígios de terra remexida, mas nada foi detectado.
No mesmo ano, foi realizada uma "autópsia psicológica", que é uma técnica forense baseada na avaliação dos aspetos psicológicos das vítimas, buscando causas do que pode ter acontecido. Apesar da técnica ser um tanto controversa, foi concluído que a família Gill não tinha motivos psicológicos, religiosos, sociais ou financeiros para desaparecer por conta própria. Em 2010, as crianças da família apareceram registradas para receber um auxílio do governo que beneficiava famílias de baixa renda, mais ou menos no formato do Bolsa Família. Entretanto, foi constatado que foi um erro no sistema.
Novas investigações começaram em 2011, quando foi realizada uma busca em um poço que ficava na fazenda, mas novamente sem resultado. Além disso, os investigadores receberam informações de que a família estaria morando no Paraguai ou no Brasil, mas não encontraram nada que sustentasse isso.

Rubén Gill e Margarita Gallegos
Em 2015, um novo juiz, Gustavo Acosta, e um novo promotor, Federico Uriburu, decidiram reiniciar a investigação. Na época eles disseram que queriam “partir do zero para rever tudo o que foi feito”, e isso incluiu convocar testemunhas, incluindo os policiais que trabalharam na época, assim como rever todas as pistas que eles tinham até agora.
Foram feitas novas investigações na cidade de Porteña, que era conhecida como refúgio de trabalhadores rurais de Entre Ríos, mas nenhuma pista foi encontrada. Também foi usado um drone para tirar fotos aéreas e comparar com imagens de 2002, mas não foi encontrado nenhuma imagem daquela época.
Em 2018, um empreiteiro rural chamado Armando Nanni disse que, antes de desaparecer, Rubén Gill tinha dito que o Alfonso Goette pediu para ele cavar alguns poços. Em um desses poços foram encontrados alguns ossos, que posteriormente foram analisados e concluiu-se que eram ossos de animais. Então, em 2019, a Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF) trabalhou em conjunto com a polícia de Entre Ríos em uma busca em campo, mas nada foi encontrado.

Busca realizada pela Equipe Argentina de Antropologia Forense em 2019
Alfonso Goette foi o único suspeito conhecido do caso. Descendente de alemães, ele era conhecido por ter “temperamento forte” e ser temido pelos seus vizinhos. Sabe-se que existe um processo trabalhista por maus tratos de Rubén Gill contra o Alfonso no começo dos anos 2000, mas nunca foram liberadas mais informações sobre isso. Na mesma época, começou um boato de que o filho mais novo de Rubén e Margarita era na verdade filho de Alfonso. Embora isso nunca tenha ficado comprovado, o próprio Alfonso, quando foi interrogado, disse que jamais mataria a família porque o caçula deles era seu filho. Naquela época ele era casado e tinha três filhos.
Uma das histórias contadas pela Luisa Gill foi a de que ele teria sido visto queimando os colchões da família, que estavam sujos de sangue, coisa que ele negou posteriormente. Outro questionamento dela foi quanto as férias e a demora de Alfonso em notificar os familiares: segundo ela, a família Gill nunca tirou mais do que 15 dias de folga, não fazia sentido eles ficarem 3 meses foram sem o dono da fazenda querer saber o que tinha acontecido antes disso.
Apesar de todas as suspeitas caírem sobre ele, nunca foi encontrada nenhuma evidência física que ligasse ele ao desaparecimento. Para piorar, Alfonso morreu em um acidente de carro em 2016, aos 78 anos, quando o caminhão que ele dirigia saiu de controle e capotou.

Alfonso Goette
A mãe de Margarita, María Adelia Gallegos, disse em entrevista "o erro é procurá-los vivos, porque já estão mortos e enterrados", e tinha certeza que eles nunca tinham saído da fazenda com vida. O último update do caso foi no começo de 2022, quando completou 20 anos do desaparecimento: o Ministério da Segurança ofereceu uma recompensa de 9 milhões de pesos (quase R$ 315 mil) para quem tivesse informações que pudessem ajudar na investigação.
Hoje quem responde pelo caso é Carina Gill, sobrinha de Rubén. Ela disse em entrevista ao jornal TN que sempre visitava a casa do tio, e que eles eram boas pessoas: “Se a verdade não for conhecida, responsabilizo a justiça dos homens, que é cega e pesa o peso do dinheiro e do poder, coisas que nós não temos”.
• FONTES: La Nación, TN, Perfil.
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